O Batismo Infantil e as Escrituras
Por Marcelo Lemos
Para aqueles que, como eu, foram educados na tradição pentecostal, e receberam certa influencia da eclesiologia batista, a prática do Batismo Infantil é quase sempre vista com fortes desconfianças. Creio, porém, que com a compreensão adequada das questões teológicas envolvidas o pedobatismo deixa de ser 'um bicho de sete cabeças'. Para mim, o maior problema atualmente, tendo dois filhos para serem batizados, não é de consciência, mas de conveniência, haja vista que antigos companheiros e mesmo familiares não compreendem a teologia por trás da prática.
A minha situação não deixa de ser interessante, pois me coloca constantemente em contato com as mais comuns objeções contra este costume milenar da fé crista. Analisemos algumas:
a) Batismo é imersão, e não um pouco de água jogada sobre a cabeça.
Em primeiro lugar, nos parece extremamente fora de propósito que tantos debates se deem em torno do modo correto de se batizar, e mais sem propósito ainda quando se pretende tornar esse ou aquele modo como inválido. Infelizmente, há igrejas que obrigam o rebatismo para aqueles irmãos que chegam de outra tradição, ainda que reconheça neles evidencias da fé cristã.
Paradoxalmente, ninguém faz questão de brigar pelo modo como a Santa Ceia é celebrada: uns a tomam de pé, outros sentados, alguns caminham até a mesa da Comunhão, outros celebram a Ceia junto com a festa ágape. Importa apenas que os elementos estejam certos, pão e vinho, e mesmo que o vinho não seja vinho, mas apenas suco de caixinha, ninguém faz questão de brigar por nada disso.
Trata-se de um paradoxo, pois estes são duas ordenanças, ou Sacramentos, aceitos por todos os cristãos herdeiros da Reforma: Batismo e Eucaristia. Com relação ao Batismo nos preocupamos com questões secundárias, mas no tocante a Ceia, apenas nos preocupamos que os elementos estejam corretos, e mesmo assim, há exceções consideráveis... Ninguém questiona a validade da Ceia desta ou daquela Igreja, baseando-se apenas no fato de que ela não a celebra nos mesmo moldes que Cristo fez.
A nossa opinião é que o modo do batismo realmente não importa, desde que os elementos e a intenção do celebrante sejam corretos. O mais forte argumento a favor do Batismo por imersão diz que o termo grego significa exatamente isso. Há dois motivos para rejeitarmos isto. Primeiro, que não procede a afirmação de que “batismo” e “imersão” sejam sinônimos, o termo significa também lavar, derramar sobre, limpar, manchar, tingir, dentre outros. Segundo, que o termo “batizar” é utilizado nas Escrituras como “lavar” e também “aspergir”, observemos S. Marcos 7.3.4: “E, quando voltam do mercado, se não se BATIZAREM, não comem. E muitas outras coisas há que receberam para observar, como BATIZAR os copos, e os jarros, e os vasos de metal e as camas”.
Não creio que alguém imagine que os judeus mergulhavam antes de almoçarem, mas sim, que lavavam as mãos: “Mas o fariseu admirou-se, vendo que não se BATIZAVA antes de jantar” (S. LUCAS 11.38).
“Quanto à sua “matéria”, o batismo é essencialmente um “lavar com água”. Nenhum modo especial de lavar é essencial. Porque o mandamento não prescreve nenhum modo especial” (HODGE; A.A.; Esboços de Teologia; pg. 846).
b) Batismo é entrada na fé cristã, logo é preciso ter consciência do ato.
“Aquele que crer e for batizado, será salvo” (S. MARCOS 16.16). As palavras do Senhor aqui são geralmente utilizadas na defesa do credo-batismo. Via de regra, apontam a ordem “crer” e “for batizado” como sendo única que valida o batismo cristão. No entanto, Jesus não poderia ter dito outra coisa, basta que analisemos o mandamento inteiro: “E disse-lhe: Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado” (S. MARCOS16.15,16). Evidentemente não há outro modo de Cristo dizer o que disse: quando pregamos o Evangelho aos homens, eles devem primeiro crer e depois são batizados. Mas isso não nos diz nada sobre a forma como os cristãos deveriam lidar com os filhos que nasciam nas famílias cristãs, ou que tinham seus pais convertidos a Cristo.
Aqui temos outro paradoxo: qualquer cristão aceita que a Ceia do Senhor, ou Eucaristia, seja a “Páscoa Cristã”, mas boa parte da cristandade jamais se deu conta que o Batismo é a nossa “circuncisão”: “E estais perfeitos n'Ele, que é a cabeça de todo o principado e potestade; no qual também estais circuncidados com a circuncisão de Cristo, sepultados com Ele no batismo, n'Ele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos” (COL. 2.10-12).
A circuncisão era, como se sabe, um rito “iniciático”, necessário para que a pessoa, adulta ou não, passasse a integrar o Povo do Pacto. O Pacto, sob a Antiga Aliança, era também um pacto de fé, no qual a circuncisão era “sinal visível” (Rom. 4.9-11), e nem por isso as crianças eram excluídas, muito pelo contrário (Lev. 12.3). Portanto, o argumento da “fé” não serve para excluir as crianças do Pacto, a menos que Cristo as tenha excluído da Nova Aliança; tal possibilidade foi excluída por Cristo: “Trouxeram-lhe, então, alguns meninos, para que sobre eles pusesse as mãos, e orasse; mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, disse: Deixai os meninos, e não os estorveis de vir a mim; porque dos tais é o reino dos céus” (S. MATEUS 19.13,14).
Se a Igreja no deserto (ATOS 7.38; grego “ekklesia” ) não incluía as crianças, por qual razão a Igreja na Nova Aliança as excluiria? Aqui é de grande valor que o estudante compreenda adequadamente a Teologia do Pacto, e por isso estamos publicando dois livros de muito interesse, que podem ser baixados aqui.
Em síntese, a Teologia do Pacto ensina que tanto na Antiga quanto na Nova Aliança há um único Pacto de Graça, um pacto de fé, que nos torna participantes da Promessa Abraâmica: “Assim como Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o Evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti; de sorte que os que são da fé são benditos com o crente Abraão!” (GALATAS 3.6-9). “Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a promessa!” (GALÁTAS 3.27-29).
A importância de compreender o Pacto é constatar que os integrantes da Igreja no Deserto eram verdadeiros cristão, e que nunca houve salvação fora de Cristo. Criso não inaugurou um novo caminho de salvação, mas sim uma nova administração do Pacto da Graça. Alguns imaginam que no Antigo Testamento a salvação se dava pelas obras, isso é heresia. Cristo é salvador nosso, mas também deles: “Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se” (S. JOÃO8.56). “E beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo!” (I COR. 10.4). Por isso, escreveu o apóstolo: “... Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o Evangelho a Abraão” (GAL. 3.9).
Portanto, a sequencia “crer” e “ser batizado” estabelecida por Jesus, em nada exclui os filhos nascidos dentro do Pacto de participarem da Nova Aliança, visto que a Antiga Aliança também era um pacto de fé, e isso não excluía que as crianças nascidas sob o Pacto recebessem seu sinal externo. E, assim com os pais da Antiga Aliança estavam obrigados a educarem seus filhos na fé, assim é com os pais da Nova Aliança.
Algumas afirmações positivas.
Nossa opinião, que tem respaldo na opinião milenar da Igreja, é que as objeções contra o pedobatismo nãos e sustentam a luz da Escritura. Resta-nos, agora, algumas afirmações positivas sobre o assunto.
a) O Novo Testamento afirma que os filhos dos crentes fazem parte da Igreja. “Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quanto Deus nosso Senhor chamar” (ATOS 2.39). “Porque o marido descrente é santificado pela mulher; e a mulher descrente é santificada pelo marido; de outra sorte os vossos filhos seriam imundos; mas agora são santos” (I COR. 7.14). “Mas Jesus, chamando-os para Si, disse: Deixai vir a mim os meninos, e não os impeçais, porque dos tais é o Reino dos Céus” (S. LUCAS 18.16).
b) A prática da Igreja Primitiva. Observamos que a Escritura relata o batismo de famílias inteiras no início da Igreja, o que é forte indicativo de que as crianças estavam incluídas – é extremamente improvável que em nenhuma daquelas famílias batizadas houvessem crianças. A conversão de Lídia é emblemática, “E, depois que foi batizada, ela e sua casa,...” (ATOS 16.15). Não cremos que é sem significado que famílias inteiras fossem batizadas quando da conversão do chefe da casa. E isso tem muito haver com simbolismo da circuncisão: quando um prosélito, na Antiga Aliança, convertia-se a Deus, ele e todos os seus filhos recebiam o sinal externo do Pacto.
“Entre os cristãos do seu tempo havia muitas pessoas de ambos os sexos, algumas com sessenta e outras com setenta anos de idade, que haviam sido feitas discípulos de Cristo desde sua infância” (MARTIR, Justino; 138 d.C.).
“Ele veio salvar todos para Si; todos, digo, os que por Ele são regenerados para Deus, crianças, meninos e moços” (IRINEU, nascido em 97 d.C.).
“... (é) uso da Igreja batizar crianças...a Igreja tinha recebido dos apóstolos a tradição” (ORÍGENES; nascido em 185 d. C.).
Aos testemunhos acima, poderíamos arrolar outros, como de Cipriano, bispo de Cartago de 248 a 258, que juntamente com um sínodo reunido, ou seja, com vários outros obreiros cristãos, decidiu que as crianças deveriam ser batizadas até o oitavo dia. Observe-se que ele não instituiu o Batismo para as crianças, mas sim que este se desse obrigatoriamente até o oitavo dia, ou seja, que os pais não descuidassem de tal obrigação. Por último, convocamos Santo Agostinho, Pai da Igreja e mentor da Reforma, “... (o batismo de crianças), doutrina mantida pela Igreja toda, não foi instituída por concílios, mas retida sempre”.
É, pois, confiando que pertencemos ao Povo do Pacto, e participamos da Promessa Abraâmica, em comunhão com a fé de toda a Igreja, que nos conduzimos nossos filhos as águas batismais. Este ato de fé é repetido em todo o mundo, em todas os séculos, conforme atesta a História da Igreja.
Gostei muito Reverendo!
ResponderExcluirPastor, gostei do texto mas eu fico melindrosa quanto ao seguinte: a sequencia “crer” e “ser batizado” estabelecida por Jesus não será respeitada ao se batizar pequeninos de colo, ou pequenos com bem pouca idade(que ainda nem tem entendimento das coisas naturais e precisam de ajuda constante, quanto mais das espirituais). Se Ele estabeleceu, quem somos nós para desprezarmos isto? Não deveriamos então esperar mais um pouquinho? Afinal, como o senhor mesmo escreveu: "O Novo Testamento afirma que os filhos dos crentes fazem parte da Igreja." Logo, esperar que os pequenos cheguem até um nível de compreesão mínimo, penso que seria razoável. Né não? Abraços, paz, Ana
ResponderExcluirIrmã Ana, caso a consciência exija, não vejo qualquer problema em esperar, ate porque se não é por fé, é pecado, diria o apóstolo dos gentios. No entanto, não há qualquer exigência bíblica para tal espera, nem mesmo a ordem “crer” e “ser batizado”. Como eu disse, o mandamento de Jesus ali refere-se, evidentemente, a evangelização de adultos, portanto, não haveria outra ordem possível.
ResponderExcluirNo caso das crianças, a ordem não interfere, pois sendo filhas de salvos, ou de um pai salvo, ela já é parte da Nova Aliança. Observe, por exemplo, que no Antigo Testamento, o fazer parte do Pacto também era “pela fé”; assim, caso um gentio ADULTO desejasse fazer parte do Pacto, primeiro devia CRER e depois era CIRCUNCIDADO. Mas, tal ordem era dispensável para os filhos que nasciam de pais pertencentes ao Pacto!
Obrigado por participar, e estamos as ordens para responder aos seus questionamentos.
Paz e bem
Olá meu irmão!
ResponderExcluirparabén pelo blog!
Querido irmão Marcelo li o artigo todo e o irmão não mensionou a respeito do Batismo representar o novo nascimento.
E me fale se as criançar tem que passar pelo novo nascimento para serem batizadas assim como aconteciam com todas as outras pessoas adultas?
Aproveito para renovar os votos de Mais alta estima, e dizer que tenho lido sempre o seu blog.
No Amor!
Irmão Heber