Visão Federal - O que tem de bom?
Rev. Marcelo Lemos
Ultimamente tenho lido o quanto posso sobre Visão Federal, uma escola de teologia dentro do presbiterianismo americano, na qual figuram grandes nomes como, por exemplo, Douglas Wilson. Wilson, recentemente, teve uma obra sua publicada pela Editora CLIRE - "Futuros Homens". Confesso que, para mim foi uma surpresa Os Puritanos terem publicado algo de Douglas Wilson, uma vez que, em linhas gerais, o puritanismo no Brasil é essencialmente contrário a algumas coisas bem peculiares a Visão Federal, como o apego a liturgia. Certamente essa publicação será um grande serviço ao Reino de Deus em nosso País. Compre o livro AQUI. De fato, o Projeto os Puritanos, que tem parceria com o CLIRE, entrou em contato com o blog Olhar Reformado para esclarecer que não apoia tal publicação. Veja nos comentários no fim da página.
Alguns me questionam se a VF não representa algum risco para a fé cristã, do ponto de vista reformado. Essa, confesso, é uma pergunta que ainda não estou pronto para responder, contudo, posso relatar aqui o que tenho visto de bom nessa escola. Mas devo colocar alguns dados que preocupam muita gente. Primeiro, o fato de que praticamente todos os ramos presbiterianos nos EUA rejeitaram formalmente a Visão Federal. Atualmente Douglas Wilson lidera (com outros) uma "denominação" nova, de nome Communion of Reformed Evangelical Churches, que tem se transformado em refúgio para aqueles que foram despedidos ou se desligaram de outras entidades presbiterianas. Se isso parece ruim, vale lembrar que também os teonomistas tem recebido críticas semelhantes da grande 'nata' presbiteriana nos EUA, e muitos críticos da Visão Federal costumam incluir essas duas correntes nos mesmos desagravos.
Em segundo lugar acho justo e honesto indicar um artigo publicado no excelente portal Monergismo, no qual encontramos severas criticas a Visão Federal, especialmente a acusação de que a mesma ameaçaria a doutrina da Justificação Pela Fé - leia aqui.
Contudo, o que tenho visto até agora na Visão Federal tem me agradado bastante, e creio que as enfases presentes em sua mensagem tem um grande potencial para beneficiar a Igreja em vários aspectos. Ainda que se descubra erros nessa teologia, devo dizer que nenhuma teologia é infalível ou inspirada, e que mesmo em alguém cuja teologia encontramos deslizes é possível encontrar tesouros teológicos maravilhosos. Então, vamos às minhas observações iniciais sobre o que tenho encontrado de bom na Visão Federal.
1) Visão Federal tolera divergências. Ainda que eles tenham escrito uma confissão de fé comum, o fato é que, em diversos assuntos convivem com a diferença, inclusive sobre o maior ou menor apego a liturgia. Isso é muito agradável para nós, anglicanos. Como eles nós temos uma Confissão de Fé em comum, os 39 Artigos da Religião, e no entanto, convivemos pacificamente com as diferenças, desde que tais diferenças não ameacem os fundamentos da fé.
2) Visão Federal gosta de deixar "vir a Mim as criancinhas". Em boa parte das Igrejas as crianças são convidadas a "ser retirarem" durante o Culto - podem, por exemplo, ser conduzidas a uma escola bíblica - o que não penso ser errado em si mesmo. Mas os defensores da VF tendem a fazer bem diferente. Primeiro, que as crianças participam do culto. Segundo que eles são, pelo menos os que li, defensores da pedocomunhão, isto é, em suas Igrejas as crianças não apenas são batizadas mas também participantes da Mesa do Senhor. A Igreja Anglicana Reformada do Brasil, onde sou Ministro, não adota a pedocomunhão, mas eu poderia apoiar essa iniciativa sem maiores preocupações. Terceiro, eles levam realmente a sério o fato das crianças serem a Igreja de amanhã.
Não é o caso, porém, de erguer a bandeira da pedocomunhão aqui, ou na Igreja onde estou. É muito mais do que isso. Trata-se de ver nas crianças membros importantes e fundamentais do Pacto, e portanto, da vida da Igreja. Um exemplo dessa preocupação é o livro citado acima, "Futuros Homens". Devemos assumir a responsabilidade de educar as gerações futuras para serem homens e mulheres de Deus, integralmente. Ensinar-lhes a ética bíblica, ou seja os Dez Mandamentos, a Liturgia Cristã e a Cosmovisão Cristã é tarefa urgente e indispensável.
3) Visão Federal defende a celebração da Eucaristia semanalmente, o que para muitos é algo inusitado. De fato, algumas comunidades somente celebram a Ceia do Senhor mensalmente, enquanto outras, de dois em dois meses, e já conheci algumas que o fazem anualmente. Visão Federal o faz semanalmente, e com Pão e Vinho - nada de suquinho. Todo isso demonstra o valor dado por eles à História da Igreja, à Liturgia e aos Sacramentos.
4) Visão Federal compreende e vive a catolicidade da Igreja. Li certo escritor dessa escola dizer que não pode se filiar a Igreja Católica Romana por ser muito mais católicos que os católicos do Vaticano. Entendo que tal afirmação não é apenas espirituosa, mas simplesmente fantástica. Infelizmente parece que muitos cristãos evangélicos, ou reformados vivem exclusivamente para o anti-catolicismo romano. Ainda que tenham boas razões acabam desprezando completamente aquilo de bom na Herança que herdamos da grande tradição cristã. Em um mundo onde a Sociedade está se despedaçando, e a Igreja cada vez mais marginalizada, não me parece fazer muito sentido não somarmos esforços em prol do Reino de Deus.
5) Visão Federal possui um conceito muito forte sobre Eclesiologia. Uma das coisas mais incômodas na Igreja evangélica atual é sua pobre eclesiologia. Aqui está um dos pontos provavelmente mais chocantes da Visão Federal: eles acreditam na Igreja. Ora, isso parece algo absurdo hoje, com tanta gente se dizendo desigrejada, não é mesmo? Calvino pensava diferente, assim como Lutero, para ambos não existe salvação fora da Igreja, o que também pode ser dito sobre a Visão Federal. Me parece que aqui está a chave para entender o que ensinam sobre Eucaristia, Batismo - usam a expressão "regeneração batismal", assim como Calvino e os primeiros reformadores usavam - Justificação, Eleição e Santificação.
Por sua visão elevada sobre a função da Igreja, os teólogos da Visão Federal são também conhecidos por defenderem a disciplina eclesiástica, inclusive fazendo uso da prática e do temor da excomunhão. Isso pode causar coceiras em ouvidos liberais, mas me parece algo extremamente positivo. É positivo porque reaviva o lugar e a função divinamente delega à Igreja. É positivo pois permite tratar objetiva e claramente com o pecado dos cristãos - ainda que atualmente muitos parecem mais confortáveis escondendo os pecados debaixo dos tapetes. A disciplina eclesiástica não funciona, nem tem lugar, num ambiente onde existe uma eclesiologia fraca (como é tão comum a nossa volta).
6) Justamente aqui podemos falar sobre o conceito elevado que os "aliancistas", como eu chamo os da VF, possuem sobre o Pacto. Coloco isso no mesmo lugar da Igreja pois são duas coisas interligadas. Para explicar melhor sugiro que o leitor pense na seguinte questão: "O seu vizinho é um cristão?". Subjetivamente esta é uma pergunta impossível de ser respondida, uma vez que não temos como saber se alguém realmente acredita em Jesus. Mas existe um modo objetivo de responder essa questão, que é verificarmos a posição da pessoa em relação ao Pacto. Ou seja, essa pessoa foi batizada? Essa pessoa participa dos Sacramentos, e da vida na Igreja? Se a resposta for positiva, então, podemos responder objetivamente que "meu vizinho é cristão, pois é membro do Pacto". Bem, talvez ele seja um reprovado, mas isso quem pode julgar é Deus, exclusivamente - cabe a nós, enquanto Povo do Pacto lidarmos objetivamente com a questão.
6) A Visão Federal enfatiza a teologia bíblica, e sua linguagem. Esse alto conceito sobre a Igreja, sobre os Sacramentos e sobre o Pacto, nos permite levar a linguagem bíblica mais a sério, algo que, segundo meu entendimento, muitos da tradição "calvinista" nem sempre conseguem. Por exemplo, quando o Novo Testamento fala sobre cristãos sendo ameaçados por Deus com a condenação, rapidamente será dito que, na verdade, o autor não fala de crentes verdadeiros, mas sim de cristãos professos. No entanto, esse é um esforço teológico para explicar a linguagem das Escrituras, e não a linguagem das Escrituras per si. Ainda que a interpretação teológica esteja certa, por qual motivo não usamos a linguagem bíblica como ela é?
Eis aqui algo extremamente valioso, especialmente para alguém como eu que, desde sempre, foi melhor treinado em teologia sistemática. A teologia bíblica é tão importante quanto a sistemática, mas nem sempre somos avisados disso. O grande problema aqui é confundirmos a teologia sistemática com a própria Escritura, por exemplo, quando um calvinista diz que "o calvinismo é o evangelho". Pessoalmente acredito que o Calvinismo, das Institutas, é a explicação mais adequada do que é o Evangelho, mas o Evangelho mesmo é Cristo, não um sistema teológico humano e falível. A Visão Federal manda muito bem nisso, e não tem medo de usar a linguagem que os autores bíblicos utilizaram.
7) A Visão Federal tem uma alta visão sobre a Lei de Deus. Não se pode afirmar que a VF seja teonomista, ainda que muitos deles sejam, contudo, eles possuem a Lei de Deus em grande estima, de defendem que antes de tentar influenciar a sociedade a Igreja precisa esforçar-se para andar em conformidade com a Lei do Senhor.
8) A Visão Federal possui uma visão escatológica maravilhosamente otimista, uma vez que são, até onde sei, adeptos do Pós-Milenismo. Acreditam, como eu, que Cristo irá retornar ao mundo apenas quando este estiver majoritariamente evangelizado e convertido. Ainda que para muitos isso pareca uma utopia, o fato é que tal otimismo sempre fez parte da História da Igreja,e por muitos séculos os cristãos lutaram, as vezes até a morte, para ver o mundo a sua volta cristianizado. Em nossa geração Deus, por sua graça, tem reavivado esse desejo e essa poderosa esperança. A perspectiva otimista sobre o futuro da Igreja na História da humanidade certamente trás novos ares para nossa atuação na cultura, na educação, na filosofia, nos negócios e até mesmo na política.
Como anglicano não sei se faz muito sentido, ou se tem o mesmo impacto, se afirmar leitor e admirador da Visão Federal. Essencialmente é um movimento presbiteriano, e voltado para o presbiterianismo. Como anglicano simplesmente vemos na Visão Federal muitos elementos que já se fazem presentes em nossa teologia - e isso é uma das coisas maravilhosas sobre a Visão Federal, posto ser uma teologia, digamos, de presbiterianos!
Antes de terminar gostaria de citar mais um detalhe interessante sobre a Visão Federal. Nos Estados Unidos, e em muitos outros lugares, encontramos relatos de várias conversões de protestantes ao catolicismo romano - inclusive de pastores famosos e comunidades inteiras. Em linhas gerais isso se deve, segundo analistas dos dois lados, a invasão do liberalismo nas fileiras evangélicas, e a falta de unidade que, a cada dia, nos subdivide ainda mais. Como tanta coisa ruim em nosso quintal a grama do vizinho - uso aqui uma expressão utilizada por Josep Rossello, nosso bispo diocesano - "parece mais verde". A Visão Federal defende, assim como eu, que uma eclesiologia forte como a que cultivamos e defendemos é um excelente antidoto contra isso! Unidade, beleza, catolicidade, espiritualidade e alta cultura não existe apenas no Vaticano, nós também podemos possuir tudo isso, basta jogarmos velhos preconceitos de um puritanismo inadequado na lata do lixo, a fim de levarmos a sério nossa herança, que é cristã, católica e reformada.
Por fim, antecipando-nos a quem possa nos acusar de "sacramentalismo" (por nosso apreço a Liturgia e alto conceito a respeito dos Sacramentos), quero terminar citando um trecho da "Declaração de Princípios" que como ministro da Igreja Anglicana Reformada do Brasil subscrevo todos os anos (clique no link para ler a Declaração inteira):
"Esta Igreja condena e rejeita os seguintes erros e doutrinas alheias, e contrárias à Palavra de Deus, (1) que a Igreja de Cristo existe apenas em uma ordem ou forma de governo eclesiástico; (2) que os Ministros sejam "sacerdotes" em algum outro sentido diferente daquele em que cada cristão é um sacerdote em um "sacerdócio real"; (3) que a Mesa do Senhor é um altar no qual o Corpo e o Sangue de Cristo são oferecidos de novo ao Pai; (4) que a Presença de Cristo na Ceia do Senhor é uma presença real nos elementos do Pão e do Vinho; e (5) que a regeneração é inseparavelmente ligada ao Batismo".
Graça e paz reverendo Marcelo.
ResponderExcluirA forma como colocou pareceu-me interessante. Procurarei, mais adiante, saber mais sobre essa escola teológica, lendo sobre seus pros e contras.
Forte abraço. Deus continue guardando e abençoando sua vida, família e ministério. ;)
Achei muito interessante, mas o texto me gerou uma dúvida básica. Afinal, porque o nome "visão Federal"?
ResponderExcluirAbraços, Paz de Cristo.
David Sousa, sua questão é muito boa. Talvez o meu inglês não seja lá essas coisas, mas acho realmente traduzir de modo melhor. Mas "federal" tem a ver com "pacto" e "aliança" (imagine, por exemplo, uma pacto federativo). Por isso eu disse que eu os chamaria de "aliancistas". Trata-se de uma escola teológica que enfatiza grandemente o lugar e a importância do Pacto. Sua eclesiologia, e até sua escatologia, coloca muita enfase sobre isso.
ResponderExcluirEspero ter ajudado.
Paz e bem
Graça e paz reverendo Marcelo.
ResponderExcluirBom, meu esposo conhece bastante essa visão, pois já lecionou sobre ela no seminário. Ele disse coisas boas, indicou-me algumas leituras para que eu pudesse aprofundar-me mais (Eleitos de Deus, de CR Sproul por exemplo, obra que temos em nossa biblioteca aqui em casa). Mais adiante procurarei inteirar-me mais no assunto.
A propósito, o convite feito a você e sua família para vir nos visitar aqui no Rio segue de pé. Quem sabe num desses "feriadões" por aí?
Forte abraço. Deus continue lhe abençoando. ;)
Obrigado por compartilhar a experiência de seu esposo, irmã Rilda. Seria legal, se possível (claro), publicar algumas observações do pastor aqui no blog. Que acha?
ExcluirSobre o convite, ficamos felizes, mas, por hora é complicado, eu trabalho praticamente de domingo a domingo, e não existe aqui os tais "feriadões". Comércio, a gente diz, nunca fecha. Só nas férias (risos).
Paz e bem
Olá Rev. Marcelo! Não conhecia este grupo. Obrigado por compartilhar! Vou pesquisar mais sobre o assunto. Que Deus continue o abençoando! Gostei do novo blog ficou muito bom.
ResponderExcluirwww.cafeegraca.blogspot.com
Marco Antônio Carvalho
"...a linguagem das Escrituras per si. Ainda que a interpretação teológica esteja certa, por qual motivo não usamos a linguagem bíblica como ela é?"
ResponderExcluirTenho certeza que calvinistas, arminianistas e tanto outros "istas" têm medo de usar a linguagem bíblica como ela é. Isto porque a linguagem bíblica parece por em cheque alguns sistemas de interpretação.
Rev. Marcelo
ResponderExcluirEsclarecimentos
1) O Projeto Os Puritanos é totalmente contrário às posições doutrinárias do Sr. Douglas Wilson com respeito a todas suas sutilezas argumentativas e seu nocivo ecletismo teológico ligado à Visão Federal. Repudiamos suas convicções danosas à Igreja de Cristo, não apenas com respeito à sua anticonfessional visão da justificação pela fé somente, mas com respeito à sua doutrina da aliança e sua eclesiologia frontalmente opostas aos padrões de fé da Assembleia de Westminster (nesta área, aguarde a clássica obra eclesiológica de quase mil páginas do presbiteriano escocês James Bannerman, A IGREJA DE CRISTO, no prelo — Editora Os Puritanos).
2) A Editora Os Puritanos não coloca seu logotipo nesta publicação mesmo que ela não trate das questões referidas acima. Assim fazemos com o propósito de evitar uma identificação com o autor que, pelo visto, já começa a provocar questionamentos óbvios como este que você fez: ‘Confesso que, para mim foi uma surpresa Os Puritanos terem publicado algo de Douglas Wilson, uma vez que, em linhas gerais, o puritanismo no Brasil é essencialmente contrário a algumas coisas bem peculiares a Visão Federal, ...’.
3) O CLIRE (Centro de Literatura Reformada) não é “do Projeto Os Puritanos”. A Editora Os Puritanos trabalha em harmonia com o CLIRE na produção e divulgação de obras reformadas, pois este é o nosso propósito. Mas particularmente divergimos nesta referida publicação, não pelo seu conteúdo, mas pela identificação com o autor que é sabidamente um dos mentores da “novidade” teológica — Visão Federal — (infelizmente começando a ser conhecida no Brasil), que tantos debates, embates e desgastes tem provocado no meio presbiteriano e reformado da América e do mundo.
Atenciosamente,
Manoel Canuto (Projeto os Puritanos)
Colocamos um nota explicativa no corpo do texto, querido irmão. E somos gratos pelo esclarecimento.
ExcluirQuanto a Visão Federal, e Douglas Wilson, temos acompanhado o debate e, felizmente, ainda não encontramos provas das acusações feitas contra eles. Que Deus nos ilumine cada dia mais.
Paz e bem!
Rev. Marcelo Lemos