Quando chega a hora de sair... da Igreja!

Quando chega a hora de sair...




Carta a Jean: o que fazer quando não “cabemos” mais numa igreja?

Caro Jean*,

Pouco antes de ler seu e-mail eu estava ouvindo uma de suas músicas favoritas nos tempos de adolescência. “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia”… – Não vou me adaptar, dos Titãs. O interessante é que essa música é de autoria de exatamente dois ex-integrantes dessa banda que resolveram pular fora do barco por sentirem que também já não “cabiam” mais naquele contexto: Nando Reis e Arnaldo Antunes. Aliás, só a título de curiosidade, Jean, “Cabimento” é o nome da quinta faixa do álbum Saiba (2004), também do Arnaldo. Agora entendo porque ele e Nando eram os seus Titãs favoritos. Engraçado como essa lembrança repentina que tive caiu como uma luva para o tema do seu e-mail, não foi? Coincidência? Sorte? Não, isso não tem cabimento!


Vamos aos fatos: a igreja em que nos convertemos não é, digamos assim, um terreno fértil para quem quer crescer qualitativamente no conhecimento das Escrituras, visto que sua agenda é mais voltada para uma geração que não quer nem saber se o pato é macho – só quer o ovo e ponto final. Uma geração que não gosta de pensar; imatura; medíocre; que não questiona nem afere o que ouve com a Palavra, tal como os bereianos de Atos 17. Ou seja, uma geração tipicamente gospel – superficial, vazia, irrelevante. E você, mais do que ninguém, sabe que não estou exagerando. Junte-se a isto o fato de o pastor da igreja, além de assentir com a superficialidade intelectual de suas ovelhas, não somente embota o crescimento delas, como também impede aqueles que querem levá-las a uma reflexão séria e comprometida com o cristianismo bíblico. Afinal de contas, não é um pintinho que quebrou a casca agora que vai ensinar um galo velho a comer milho, não é mesmo? De fato, todas essas coisas parecem mesmo justificar esse teu sentimento de inadequação eclesiástica.

Mas talvez uma delas seja mesmo o pivô de tudo, a saber, o fato de que você agora é reformado. Eu sei que não é preciso ser necessariamente reformado para se querer reforma na igreja. Aliás, conheço ótimos arminianos nesse sentido. Que dizer de A. W. Tozer, por exemplo? Alguém acertadamente já disse que ele é o arminiano que os calvinistas mais apreciam e de quem poucos discordam. Além dele, conheço muitos que, a despeito de não se identificarem com a teologia reformada, possuem certa coerência naquilo em que reivindicam em seus respectivos contextos. Eu mesmo, por exemplo, sequer conhecia os cinco pontos do calvinismo quando comecei a clamar por reforma em nosso meio, pelo que fui amordaçado, o que me leva a concluir que o problema da liderança da igreja aí não é exatamente com os reformados, mas com qualquer um que se atreva a ir um pouco mais além do comodismo intelectual vigente. Contudo, devo confessar que foi mesmo quando descobri as antigas doutrinas da Graça que o negócio realmente tomou proporções maiores e mais consistentes. Agora sim, não se tratava de questionar apenas as práticas litúrgicas e outras esquisitices próprias da cultura “gospel” que por lá imperavam (e ainda imperam!) – a doutrina também entrou na jogada.

Isso acarretou uma série de mudanças, como fui previamente “alertado” por um pastor reformado com quem muito aprendi. Não, ele não estava usando de proselitismo, até porque sua igreja ficava muitíssimo distante do bairro onde eu morava. Ele estava apenas me chamando a atenção para algo que eu não conseguia mensurar naquele momento – talvez pela pouca idade, talvez pelo pouco conhecimento que eu tinha de história da Igreja. Quando a fé reformada começou a pulsar a todo vapor em minhas veias, propus a realização de um simpósio reformado em nossa igreja, mesmo sendo ela arminiana e quase neopentecostal (imagine só?!). O pastor, mesmo suspeitando de nossas intenções, autorizou a realização do evento, e só – não pude ter mais do que o seu “aval”. Elencar os preletores não foi tarefa fácil, mas graças a Deus conseguimos trazer a maioria que tínhamos em mente. Contei com o apoio de alguns irmãos que também passaram a engajar-se no ideal reformado de igreja para que ajudassem na organização do evento. Isso foi em 2005, exatamente em outubro, mês da Reforma. Era o meu último ano em Recife, já que no início do ano seguinte eu estaria de partida para Minas Gerais, por conta de minha aprovação num concurso público. Mas eu nem esperei janeiro chegar para finalmente sair daquela igreja para uma reformada, com quem eu já flertava. Mesmo com a realização do simpósio (que foi muito bom, diga-se de passagem), eu senti que minha situação ali já não podia mais se sustentar, visto que as indiretas vindas do púlpito passaram a ser mais frequentes e fortes do que antes, como coisas do tipo “você só quer saber de ‘teologia’! ‘Teologia’, ‘teologia’… ‘Teologia’ que nada!”. Foi quando eu finalmente concluí que não “cabia” mais naquela igreja.

Eu nem imaginava que chegar a uma conclusão dessas poderia ser tão doloroso como foi, ainda mais quando se tem toda uma história de vida eclesiástica deixada para trás. Afinal de contas, querendo ou não foi ali que aprendi a tomar gosto pelo estudo da Bíblia, sob a influência de professores a quem até hoje tenho grande estima e, por que não dizer, dívida. Mas é uma pena que nem eles mesmos puderam ir muito longe em seus projetos de educação religiosa, visto que o investimento nessa área era pouco. Parece que certos pastores se contentam em tratar suas ovelhas como se elas fossem eternamente neófitas, sob o pretexto de que sempre é bom relembrar os “fundamentos da fé”, quando na realidade isso não passa de puro pretexto para justificar sua preguiça em buscar pastos verdejantes para o seu rebanho, na maioria dos casos. Não estou te contando isso para que você trilhe o mesmo caminho que eu, Jean, mas para te mostrar os erros e acertos de um jovem reformado que descobre que não “cabe” mais em sua igreja. Hoje, depois de algumas experiências que tive ao longo de todo esse tempo (curto, mas suficiente), posso te dizer que aprendi bastante com os meus próprios erros. E é justamente aqui que eu posso te ser mais útil.

Você bem sabe que por três anos eu congreguei numa igreja arminiana no interior de São Paulo – não porque eu tinha intenções de “reformá-la”, óbvio que não, mas pela falta de igrejas reformadas nas proximidades. E uma das coisas que eu posso te dizer que fez toda diferença no meu convívio lá foi o fato de, logo no início, eu ter procurado o pastor da igreja para conversar com ele sobre minhas perspectivas teológicas, algo que não fiz quando estava aí em Recife. Ou seja, eu nunca escondi das pessoas que eu era calvinista, muito embora quase ninguém por lá soubesse que “bicho” era esse – só achavam minha perspectiva um pouco “diferente”. É óbvio também que isso não foi suficiente para evitar atritos teológicos entre nós, mas penso que seria bem pior se o pastor depois viesse a descobrir que eu era um membro do “Serviço Secreto Calvinista” que havia se infiltrado em sua igreja. Mas penso também que se ele realmente considerasse o calvinismo como uma “praga”, ele não teria me dado tantas oportunidades para pregar, ensinar na escola dominical, liderar jovens, etc. Quando nos concentramos em apenas expor o texto bíblico (pregação expositiva), é natural que as pessoas revelem a sede que tem. Alguns irmãos resolveram abraçar a fé reformada. A tudo isto eu dou graças a Deus pela sabedoria que Ele me deu para lidar com aquela situação – para conviver em comunhão com a igreja e com o pastor, e não ser desnecessariamente “do contra” em todas as ocasiões (aprendi isso lendo o puritano Richard Baxter!).

Eu sei que no teu caso isso pode não resolver mais, visto que já não és mais nenhum novato na igreja (você praticamente cresceu aí!), mas penso que você também deveria procurar o pastor para conversar, em vez de ficar carregando esse peso consigo. Arrume coragem e vá lá no gabinete dele, só vocês dois – não para enfrentá-lo, mas para uma conversa franca entre ovelha e pastor. Abra seu coração, desabafe! Mas não se exalte: controle-se! Lembra-te das palavras de Paulo ao jovem Timóteo: “Foge das paixões da mocidade” (2Tm 2.22, onde o contexto sugere o controlar os ânimos no calor de uma discussão). Exponha sua perspectiva com clareza. Se ele se mostrar irredutível, você pelo menos fez a sua parte. E se você acha que agora tem motivos suficientes para sair da igreja, avalie bem e veja se é isso mesmo que você quer, visto que tens uma classe de novos convertidos para cuidar na escola dominical. Eles com certeza sentiriam muito a tua falta, e você a deles. Mas aconteça o que acontecer, deixe a casa em ordem. E lembre-se de que você também precisa ser pastoreado. Digo isso porque eu sei que de reformado só ficou você aí. Elton mudou de bairro, e Josué recentemente foi para uma igreja presbiteriana. Também convivi com eles por todo tempo que estive aí, mas já naquela época eles também já mostravam sinais de cansaço, assim como eu, até que não aguentaram mais e resolveram sair. Agora, você não tem mais ninguém por perto. A “Síndrome de Elias” parece que te pegou. Ninguém mais para compartilhar ideias, dilemas, etc. Mas olha bem ao teu redor. Pode ser que não tenha os sete mil lá de 1Rs 19.18, é verdade, mas certamente deve ter alguns por aí que abracem a fé que tens pregado, inclusive na classe em que ensinas na escola dominical. Lembre-se que por vezes os frutos aparecem de onde menos imaginamos. “Assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia”, diz o Senhor (Is 55.11). Creia nisso!

Vou ficando por aqui, Jean. Parece que o que fiz foi mais desabafar do que ajudar, não foi? Julguei necessário. Mas espero ter te ajudado. Qualquer coisa, procure o Josué, pois ele tem bastante experiência para te passar. Aproveita que ele é praticamente teu vizinho. De vez em quando dá uma ligada pro Elton também. Ele foi um cara que me ajudou muito, e a quem devo o gosto que tenho hoje pelo estudo da Palavra. Certamente, ele te será muito útil também. Se fores visitar uma igreja reformada e se sentires bem lá, ore a Deus e pondere bem antes de tomar qualquer decisão, sempre tendo em mente que todas as igrejas tem problemas. E não se esqueça de compartilhar tudo com sua noiva. Afinal de contas, a ideia é que vocês logo em breve sejam uma só carne (“uma só carne, uma só igreja” – rsrs!).

Saudações reformadas! E mantenha o contato.
Att,

Leonardo Bruno, que escreveu no Optica Reformada.

Soli Deo Gloria!
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