Religião é o ópio do povo. Uma perspectiva cristã!





Por Marcelo Lemos

 “... Hoje estou num estágio de questionamentos,  que já levaram muitos filósofos a perderem a fé. Falo de Marx, Buber, Tolstói, … com as agruras da vida, eles começam a questionar a existência de DEUS, por toda miséria e dores da vida. No meu caso não chega a tanto, mas agora eu não posso recriminar suas opiniões...  Concordo com Marx quando ele diz, e agora entendo, que a RELIGIÃO É O ÓPIO DO POVO, ” (Trechos de um longo, e justificado, desabafo


Meu querido Carlos, apesar de parte considerável de nossas conversas não estar disponível aos leitores do blog (mesmo já tendo publicado um artigo em resposta ao irmão), achei interessante lhe responder esta última mensagem em forma de artigo, haja vista suas palavras abordarem questões que podem interessar a todos, especialmente aos que se preocupam com a podridão espiritual e ética que assola boa parte da Igreja Brasileira.



Concernente a sua luta existencial, causada pelo despertamento da razão, que conduz a confrontos jurássicos com antigos conceitos religiosos arraigados na mente, minha oração é de esperança. A História, como se sabe, nos apresenta grandes ícones culturais que abriram mão da fé em lutas internas parecidas, mas a história desse conflito existencial não é escrito apenas por Marx, Tolstói, ou mesmo Nietzsche. Com efeito, não foi assim com Lutero, ou mesmo Francisco de Assis, apesar das vias opostas que escolheram (1). O mesmo conflito que levou alguns a apostasia, conduziu muitos outros para mais perto da Cruz, e isso os capacitou a revolucionarem a fé cristã de seus dias, marcando para sempre seus nomes na História. Alguns, deixaram seus nomes no mural da apostasia e da loucura, outros, no dos Heróis da fé.

Então, posso falar de esperança; não a esperança que vence o medo, como no bordão populista de eleições passadas. A esperança que suprime o medo é veneno político, tão ópio do povo quanto o religioso, sempre a conduzir os homens por cabrestos messianoides. Não, essa não é a esperança do Evangelho! A esperança cristã é uma expectativa escatológica, que conduz o crente a engajar-se de corpo e alma na luta cultural, munido da espada e do escudo da Verdade, na firme esperança de que o Bem sempre vence o Mal, mesmo que se conviva com a ameça e o medo de se perder a própria vida no embate (medo que muitas vezes se concretiza, como se pode ver nas páginas de Cristãos Secretos, que o irmão está a ler).

Um ponto importante a se destacar nesse conflito interno, diz respeito a diferenciação entre o que é preceito bíblico, e o que é mandamento humano. O irmão, por exemplo, fala de jamais ter se rebelado contra “preceitos bíblicos” e “denominacionais”. A diferenciação se faz necessária, do contrário, condenaremos a fé bíblica pelos erros dos falsos ensinadores – seria semelhante a condenar o Capitalismo, retratando todo empreendedor com a figura do velho Scrooge e afins, tática comum em vários escritos da esquerda (2). Arriscaria minha vida para lhe dizer que nenhum dos preceitos morais da Lei de Deus lhe poderia causar prejuízo; exceto, claro, se o “sucesso” almejado se pretenda por meios imorais, o que não seria, propriamente, “sucesso”.

Nunca é exagero tornar a lembrar um fato bíblico importante a essa discussão: a Escritura jamais ensina que Deus abençoe materialmente apenas os crentes, e muito menos que faça isso apenas em favor daqueles que entregam religiosamente o dizimo de toda sua renda, ou que plante “sementes” neste ou naquele ministério de televisão. Essa mentira foi inventada justamente por homens que pretendem controlar almas por meio da ameaça e do medo (o que não implica dizer que todo pastor que acredita na atualidade do Dizimo, seja,por isso, impostor ou charlatão). Quanto a prosperidade, a Bíblia diz que Deus envia sol e chuva tanto para justos, quanto para injustos: “porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mateus 5.45). Ademais, ensina também que nem sempre o sucesso material significa aprovação Divina, como se pode constatar da leitura atenta do Salmo 73, belíssima poesia onde Asafe relata sua própria luta existencial.

“Verdadeiramente bom é Deus para com Israel, para com os limpos de coração. Quanto a mim, os meu pés quase se desviaram; pouco faltou para que escorregassem os meus passos; pois eu tinha inveja dos néscios, quando via a prosperidade dos ímpios” (vv 1-3, ss).

Nenhuma coisa admirável há, portanto, na prosperidade dos ímpios, ou mesmo dos falsos profetas. Essas realidades não depõem contra a veracidade da fé cristã, mas a seu favor. Sim, pois é ensino da fé cristã que tais coisas aconteceriam. O que não é cristão é a ideia de que o cristianismo seja um modo de se barganhar com Deus, uma Teologia da Retribuição, como vem sendo ensinado abertamente na maioria das Igrejas, cujo sucesso, revela o quanto a sociedade de nosso tempo está alheia a Deus.

Sou testemunha pessoal do estrago causado por mandamentos humanos, e por isso, jamais me canso de denunciá-los. Mandamentos humanos castram, corrompem, e destroem a alma. O legalismo nos faz ver um mundo dualista, convencendo-nos da existência de uma luta desleal entre o sagrado e o profano, na qual, invariavelmente, o cristão sem qualquer expectativa de vitória cultural, se vê impelido a fuga e ao recolhimento “seguro” sob as asas dos preceitos humanos. Buscando proteção, o homem abre mão de sua liberdade, aceitando de bom grado que escravizem seu ser. Há um paralelo muito interessante entre o que ocorre na política, e o que se dá na religião.

Dentro deste contexto, sou testemunha de outro fator interessante: quanto mais legalista é determinado grupo cristão, mais subdesenvolvido moral, cultural e economicamente também (3). As lentes do dualismo que usam para ver e interpretar o mundo, os impede de contemplar Cristo como o Senhor de toda a Terra, e com isso, falham em cumprir o Mandato Cultural que nos é dado em Gênesis. Por mais que falem em entronizar Jesus, Seu reino é sempre algo porvir, com pouca ou nada de relação com o agora, e nenhuma esperança de vitória cultural; o que transforma a escatologia numa versão evangelical do deus machine, que trazia finais felizes aos palcos greco-romanos.

A grande dificuldade nesse processo de emancipação intelectual é justamente  distinguir entre o que é, ou não, religião cristã. Um processo nem sempre tranquilo, pois até então, a mente não estava consciente de que fora enganada, o que a coloca, agora, sob a ameaça de condenar algo, sem que na verdade o faça, pois seu juízo se dá contra uma falsificação do real. Por isso que muitos filósofos, como o genial Mario Ferreira dos Santos, brasileiro, tendem a pensar que Nietzsche, ícone do ateísmo, jamais foi ateu como imaginava, pois sua rebelião foi contra aquilo que o cristianismo jamais foi realmente. Em outras palavras, segundo essa tese, Nietzsche ao condenar o “cristianismo”, teria desenvolvido um pensamento genuinamente cristão(4).

Então, apesar de admitir que há certa verdade na afirmação marxista, “religião é o ópio do povo”, não considero racional deixar de recriminar sua opção pelo ateísmo, bem como não posso deixar de recriminar o ateísmo de qualquer outro. No caso de Marx, ainda mais grave, ele optou pela destruição da religião, especialmente a cristã, pois descobriu que ela é o maior obstáculo no caminho para a construção do “homem novo”, idealizado pelos socialistas. Não é atoa que, ainda hoje, o socialismo permanece em sua cruzada mundial contra a tradição judaico-cristã(5)

Pouco mais de 80 anos de regimes orientados pela ideologia de Marx é suficiente para  nos mostrar onde o homem sem Deus foi capaz de chegar: mais de 100 milhões de mortos! É, sob qualquer aspecto, a maior tragédia já produzida pelas mãos humanas! Enquanto isso, sociedades edificadas sobre os valores do cristianismo, apesar dos percalços, permanecem ainda hoje como baluartes da prosperidade e da democracia – ainda que, infelizmente, pouco a pouco, os ideais de Karl Marx estejam minando a virilidade de tais povos. Permanecendo assim, a ruína de tais nações é certa.

Igualmente certa é a ruína do falso evangelho, por isso, precisamos escolher bem contra quem lutaremos, de um lado está a religião dos lobos, que oprime e cega, do outro, se apresenta  o Cristo, graça libertadora. O perigo é, no afã de fugir dos lobos, nos lançarmos nos abismos da morte.
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(1) Francisco de Assis é, para muitos católicos, o que Lutero é para os protestantes: um reformador. Como Lutero, Assis também se afligiu com a corrupção da Igreja de seu tempo, e a denunciou, no entanto, manteve-se fiel ao Magistério da Igreja. Vale lembrar que Lutero, a princípio, também não pretendia separar-se de Roma, e em suas famosas teses, defendeu abertamente a autoridade do Papa; todavia, sua separação acabou sendo inevitável, pois a Reforma que pretendeu alcançava níveis mais profundos que a de Assis.

(2) Dentre infindáveis exemplos, lembro os desenhos de Miguel Resipo, no livro “Grasmci para principiantes”, que sempre retratam os empresários (bem como autoridades eclesiásticas e civis) na figura de porcos, com a indisfarçável intenção de despertar o ódio de classes;

(3) Sem qualquer intenção de ofender, ou “cuspir no prato” que comi, cito o pentecostalismo clássico, como o das Assembleias de Deus, como exemplo. É fato que, ao longo dos anos, eles tratam de modo diferente com o legalismo: igrejas mais afastadas, e compostas por pobres e iletrados, destacam-se pela rigidez nos usos e costumes; enquanto que nos grandes centros, sendo formada por gente de mais posses e maior cultura, as regras são muito mais flexíveis.

(4) Mario Ferreira dos Santos, “Antologia de Literatura Mundial”, Livraria e Editora Logos Ltda, pg 11. A tese em questão é, hoje, defendida por grandes e insuspeitos teólogos católicos, mas foi primeiramente proposta por esse genial brasileiro, infelizmente desconhecido do nosso grande público. O contraste entre o ateísmo militante de Nietzsche, e o seu verdadeiro eu, sintetiza-se nos dias finais de sua vida, quando, admiravelmente, chorava abraçado a um crucifixo partido, pedindo-lhe angustiosamente perdão.

(5) Nesse intento, os marxistas atuais, que preferem ser chamados apenas de  socialistas, elegeram Antônio Gramsci como sacerdote e profeta, pois lhes ensinou que a revolução nem sempre se dá num rompante, como na Rússia, mas necessita antes, ir minando as bases sociais estabelecidas, por meio da conquista lenta e programada de “posições” na sociedade. De modo que, a medida que o socialismo avança no Ocidente, a Religião Cristã se torna cada vez mais marginal. 

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