Ah, essa teimosa esperança!


Não durou muito, mas me lembro do tempo quando, ainda adolescente, o trabalho de defender a fé cristã era relativamente tranquilo, já que os inimigos geralmente estavam “lá fora”. Pelo menos era o que eu pensava. Bem, na verdade, estavam aqui dentro também, mas nós não nos apercebemos, ou melhor, taxamos como exagerados àqueles que, dentre nós, denunciavam o câncer. Hoje, colhemos os frutos. Em nenhum sentido aquela foi uma Era Dourada, mas havia algum conforto na apologia. Conforto que durou pouco, antes mesmo de eu me formar o Brasil já estava sendo varrido por uma onda de mercadores da fé.

Não é que não tivéssemos problemas, os tínhamos, e aos montes. Os pentecostais e cessacionistas já de degladiavam, na maioria das vezes inutilmente; os reformados já lutavam, sem muito sucesso, para difundir os ideais da Graça na população, enquanto os pentecostais não escondiam, em sua grande parte, um orgulhoso desprezo pela alta cultura e a educação superior, e difundiam, com sucesso, uma espiritualidade de retribuição... No entanto, o Sagrado era justamente o que ainda deveria ser: Sagrado. É interessante que só recentemente pentecostais e reformados estão começando a ver que possuem mais em comum do que imaginavam a algumas décadas. Falo do Sagrado. Falo da Cruz. Esse sagrado tesouro que tem sido tripudiado, rejeitado e banalizado dia após outro, e isso por gente que se diz “de dentro”.  

Talvez haja exagero no que direi, mas creio que os evangélicos de uma ou duas décadas atrás devem pensar, olhando a sua volta: “Éramos felizes, e não sabíamos!”.

Não é de se estranhar que tais mudanças gerem decepção, e fomentem uma certa desesperança na alma. No meu caso, minha decepção e desesperança tiveram apoio numa teologia que aprendi desde menino, segundo a qual, todo este desastre era tragédia anunciada, inevitável e, o que é mais importante, irremediável, final. Em outras palavras isto: que os verdadeiros crentes serão cada vez em menor número, cada dia mais perseguidos, e que tudo que podiam fazer era proteger a si mesmos, e esperar titanicamente pelo fim. Eu lido com tal pensamento quase todos os dias, pois atuo principalmente entre pentecostais, onde tal desesperança é quase regra de fé, herdada de certa tradição batista mais recente.   

Mesmo hoje, tendo sido conduzido nos braços da Graça a vôos mais altos (sem nenhuma intenção de desprezar o que tive antes, falo em termos de crescimento espiritual e intelectual), vejo que tal desesperança atinge até meus pares reformados, nos quais encontro uma teologia e uma exegese tão diferentes das que tive no Pentecostalismo. Os termos mudam. Mudam também as perspectivas sobre o vidente de Patmos. Dividimo-nos entre o “pré” e o “pós” Nero, entre o pretérito e o futuro. Entretanto, a desesperança fica, quase idêntica, em ambos. Posso compreendê-los, provavelmente por ter estado entre eles, e absorvido até o ‘tutano’ sua cosmovisão derrotista. Ora, não bastasse as tragédias naturais, e o mal reinante no mundo, ainda assistimos de camarote a desconstrução da fé cristã, o desprezo pela cruz, a comercialização do Sagrado!

Que esperança poderia haver?

Mas, quase sem ser notada, a esperança, sempre teimosa e radiante, tem feito menção de ressurgir. Aqui e ali, um semeador, uma semente, um broto. Embrião do futuro. E não falo da esperança triunfalista dos mercadores da fé, mera falsificação barata: falo da esperança pelo triunfo histórico, mais uma vez, e quantas outras vezes se fizerem necessário, do Evangelho da Graça, da Soberania e da Cruz. Não se trata de algo novo, mas da fé de sempre, apenas esquecida, ou melhor, sufocada pela desesperança contraída em algum telejornal ou teleevangelho. Fé de sempre que moveu heróis e heroínas, desde os dias do Antigo Testamento, passando pelo Coliseu e incendiando a Europa medieval. De certo modo, é também a esperança que transformou o Brasil na maior nação pentecostal do mundo, quando seus pioneiros aqui chegaram como desejo de incendiar nossos corações. E, segundo alguns, é a esperança que patrocinou até a descoberta da América, já que Colombo queria descobrir novas terras e povos para expandir o Reinado Cristo, anotando diariamente em seu diário de bordo, citações de Isaías.

Nessa esperança trabalho, luto, defendo e ataco. Respeito àqueles que lutam apenas para não se calarem, mas a esperança me leva além da resistência. Resistir é preciso, avançar é promessa. Assim, confio, luto, e caminho em esperança, por “fé e não por vista”. Você tem chamas nas mãos. Atice o mundo a sua volta!   

“Não, não, irmãos! somos um destacamento dos soldados do Rei, detidos em um país estrangeiro, em serviço de guarda; contudo, não tencionamos apenas guardar o forte, mas acrescentar território ao domínio de nosso Senhor. Não estamos aqui para ser expulsos; ao contrário, vamos expulsar os cananeus, pois essa terra nos pertence, foi-nos dada pelo Senhor, e a conquistaremos. Possamos estar animados pelo espírito de descobridores e conquistadores e que nunca descansemos enquanto ainda houver uma classe para ser salva, uma região para ser evangelizada!” Charles H. Spurgeon.
Ah, essa teimosa esperança! Que bálsamo! Que delícia!

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