Desde quando a Bíblia é autoridade moral?

Por Marcelo Lemos

Texto escrito e publicado originalmente para o Genizah.


Imagine a cena. Ele chega à Ilha da Fé e depara-se com a Igreja Corrupção, cujo discurso é pela santidade de vida, mas seus líderes são o exato modelo a não se seguir. Mas há algumas vozes reformistas, de gente que pensa ser necessário unir o discurso a prática. Vozes que se valem das Escrituras Sagradas para tais protestos em prol da ética e da santidade. O recém-chegado se impressiona, imagina que tais protestos sãos justos, e ele decide verificar nessa tal de “Escritura” o que ela tem a ensinar aos cristãos.

Não me apedreje, querido leitor, sou apenas o narrador da saga. Mas, vejam, quando ele decide ir as Escrituras seu problema não termina, apenas começa. Ansioso por preceitos morais elevados ele se depara com pecadores como Abraão e Ló. O primeiro, que não pensou duas vezes ao mentir sobre sua esposa, é chamado nosso “pai na fé”; o segundo, que não apenas titubeou ao entregar suas filhas aos homens de Sodoma, é chamado de “justo”. Seria a Bíblia, de fato, um manual confiável de valores morais? Se com tantos pecados estes homens acharam graça aos olhos do Senhor, quem nos dá o direito de criticar os líderes religiosos do nosso tempo?

Aluísio Maia é leitor do Genizah, seu depoimento nos deu a base para a viagem literária acima. Ele desabafa:

Devo confessar que sou muito fã do seu site, que desmascara as sacanagens que acontecem no meio cristão, para não dizer palavras mais pesadas para descrever isso. Fui membro de uma dessas igrejas e hoje me sinto puramente envergonhado nessa lama de proselitismo, hipocrisia, falácia, opressão e mais algumas "cositas a más" que me deixaram frio, gelado na verdade, em relação ao evangelho. O problema é que, no início, realmente tentei não olhar para os homens e "focar" na cruz e na mensagem do evangelho, mas cara, a podridão desse meio é tão grande que me enojou a tal ponto que a minha ética, arraigada no âmago de minha criação não deixou que eu me aproximasse de nenhuma igreja.


Daí começei a estudar e encontrei histórias como a de Ló...  Daí eu lhe pergunto: se nem na própria bíblia há ética e coesão, o que dirá nas instituições. Como ser cristão sem referências concretas? Aliás, tenho a impressão que o que o homem toca vira maldição...ou não?”.

O questionamento acima é o de muitos, e muito utilizados por céticos e críticos da Bíblia; afinal, se a Bíblia é o padrão perfeito de moralidade, como pode ela mesma conter uma coletânea incrível de pecados e atrocidades cometidas pelos eleitos de Deus? Há duas formas de responder a este questionamento, uma direcionada aos céticos, e outra mais apropriada aos cristãos em dúvida.

Primeiro, vamos ao que o cristão precisa saber. O fato de a Bíblia relatar os deslizes morais dos eleitos não depõe contra a sua autoridade divina, mas a favor. Porque a Bíblia nunca ensinou que os cristãos seriam perfeitos, antes, ela mesma adverte que os cristãos estão sujeitos a pecar. Se um cristão peca, não depõe contra a autoridade das Escrituras, antes estabelece tal autoridade. O meu pecado depõe contra mim, mas confirma a Palavra de Deus.

Assim, é ilógico usar o pecado dos cristãos para negar a veracidade do Cristianismo, ou mesmo para rejeitar ou diminuir a autoridade moral da Lei de Deus. O pecado dos eleitos faz parte da cosmovisão cristã, portanto não pode contradizê-la. Que problema há que a Bíblia relate os deslizes morais dos eleitos de Deus, então? Nenhum. Mesmo assim pode soar estranho que ela trate tais pecadores como “justos”, não é mesmo?

Tal estranheza também se alimenta de uma objeção que ignora as Escrituras, e por isso, sequer existe. Pois a relação entre Deus e o homem não é descrita nas Escrituras como sendo “meritória”, mas por Graça. Este equívoco se dissolve como gelo ao sol diante da história do Sacerdote Josué. O profeta Zacarias nos conta uma visão na qual está o sacerdote diante de Deus, com suas vestes sujas, sendo acusado pelo próprio Satanás. Diante das acusações de Satanás, o Mensageiro do Senhor diz:

Então falando este, ordenou aos que estavam em pé diante dele, dizendo: - Tirai-lhe estes trajes sujos. E a Josué disse: - Eis que tenho feito que passe de ti a tua iniquidade, e te vestirei de trajes festivos. Também disse eu [Zacarias]: - Ponham-lhe sobre a cabeça uma mitra limpa. E Puseram-lhe, pois, sobre a cabeça uma mitra limpa” (Zacarias 3.1-5).

Não há nenhum problema em que a Escritura chame pecadores de “justos”, pois Deus não justifica o homem como base em méritos. Ora, se a justificação dos salvos é por Graça, e não por méritos, o fato de serem pecadores não depõe contra as Escrituras, antes, também a confirmam. Novamente: como usar o pecado dos eleitos contra a Bíblia, se ela é a primeira a nos dizer sobre ele? Pecado que atinge a todos, inclusive os mais graduados em suas fileiras, como atesta Tiago, irmão do Senhor: “Meus irmãos, não sejais muitos de vós mestres, sabendo que receberemos um juízo mais severo. Pois todos tropeçamos em muitas coisas!”(S. Tiago 3.1-2).

É justamente quando os cristãos se acham melhores, que os descrentes riem, e o testemunho cristão é prejudicado. Quando atribuímos a nós mesmos algum grau de justiça pessoal, o mundo enxerga toda a nossa hipocrisia e tolice. Sim, somos justos, somos santos, e os incrédulos são ímpios e condenáveis; mas apenas porque Deus perdoou nossos pecados, e cobriu nossa iniquidade: “Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto!” (Salmos 32).

Ah, é! Faltou contar como responder aos céticos. Bem, se você estiver com pouco tempo para dialogar mais extensamente, peça ao cético que assista ao filme “Um Retrato Para Dorian Gray” – se ele tiver dois neurônios funcionando no cérebro, entenderá o recado. Para o cético (ateu, agnóstico, ou qualquer outro) a moral é coisa meramente subjetiva, e é sempre mutável e relativa. E gostam de enfatizar isso chamando os cristãos de retrógrados que baseiam sua vida em uma cosmovisão que é... digamos... primitiva, ultrapassada! Claro, eles são homens modernos! Homens que chegaram a um nível maior de iluminação intelectual, onde se aprende que não existe “a Verdade”.

O grande problema do relativismo é que ele destrói a si mesmo, pois ao criticar qualquer coisa, ao fazer qualquer juízo de valor, ele se transforma em sua antítese! Ora, se alguém me diz que não existe a verdade, significa que até mesma a afirmação “não existe a verdade” não pode ser verdadeira. Assim, o incrédulo cai por terra sem ter sequer conseguido justificar racionalmente qualquer objeção.

Por exemplo, alguns incrédulos nos questionam sobre a acusação de que a Bíblia promoveria genocídios. Já demonstrei a tolice de tal acusação algumas vezes. Mas, ainda que a acusação fosse verdadeira, caberia ao incrédulo nos dizer a justificativa racional que ele tem para afirmar que “genocídio” é algo imoral. Ora, o incrédulo não pode nos dar uma base racional para isso, já que segundo ele, não existe “verdade”. E se estamos diante de um incrédulo materialista, que entende o mundo como um grande processo evolutivo, ainda podemos lhe demonstrar que os mais variados tipos de violência (estupro, assassinato, genocídio, etc) foram muito benéficos para a “evolução” da raça humana – pois seriamos regidos pela “lei do mais forte”.

Neste ponto da discussão o incrédulo provavelmente irá apelar para o “senso comum”. Ele irá argumentar que a sociedade evoluiu, e hoje chegamos a um consenso diferente, e por maioria de votos tais atrocidades , que são naturais segundo sua própria visão de mundo, foram consideradas imorais. Basta que o cristão lhe diga: “Tudo bem! Mas isso me diz apenas o que você e seus pares pensam sobre aquele ato, mas não me diz nada sobre o que aquele ato é. E sabemos que o que você pensa não é verdade, pois a Verdade não existe!”.

Em síntese, o incrédulo não possui qualquer base racional para questionar o que for nas Escrituras, pois ele mesmo não tem qualquer base racional que justifique sua própria moralidade. De fato, a moral de um incrédulo está baseada na moralidade cristã (ele vão querer me linchar por isso, mas é a verdade!). Costumo dizer que todo incrédulo é matricida, pois ao desejar a morte da cosmovisão cristã ele deseja a morte de quem lhe deu a luz.

De modo que, nem um cristão em crise, ou mesmo um incrédulo pode questionar a Escritura como sendo o Padrão Divino para a ética e a moralidade. E nem podem usar os maus exemplos listados nas Escrituras para justificar os erros que hoje se comentem. Além disso, o fato de pecados serem chamados de “justos” não é empecilho a apologia que realizamos. Muito pelo contrário.

É verdade que os heróis da fé, apesar de seus erros, foram justificados por Deus; mas é igualmente verdadeiro que eles sofreram as punições temporais de seus pecados. Abraão, Ló, Isaque, Davi, Salomão, etc., todos eles conheceram na pela esta advertência do Evangelho: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Galátas 6.7).

E o evangelicalismo brasileiro tem semeado muito... na carne. Mais dia, menos dia, o Brasil irá ceifar os frutos... da carne. 

2 comentários :

  1. Espero continuarmos amigos!!!

    http://mcapologetico.blogspot.com/2011/09/estou-deixando-teonomia.html

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