Três faces da moeda...

Marcelo Lemos

Se compreendo adequadamente um dos pontos do pensamento de Chesterton (do pouco de sua obra que li), ele pensava haver, basicamente, três formas de criticar o mundo, e apenas uma podia ser verdadeira. Encontramos todas as três em nosso dia a dia; e ‘encontramos’ não é apenas expressão literária, mas a experiencia cotidiana.

“As coisas estão ruins, e ficarão cada vez piores”. Não há qualquer motivo para que o pessimista promova mudanças no estado das coisas a sua volta. Talvez ele venha a ser o agente de alguma mudança, mas não será devido ao seu pessimismo. Talvez o faça por acidente, ou mera auto-contradição. Vejo isso em muitos pensadores cristãos. Seu pessimismo extremo pode chegar a afirmação desesperadora de que a Igreja verdadeira, o fiel remanescente, se tornará cadaz vez menor, enquanto a Apostasia dominará de mar a mar, até que o reino do mundo seja entregue, quase completamente, nas mãos do Arquinimigo. Logicamente, não há qualquer motivação racional para a luta. Assim, o pessimista é um estático, ou um militante irracional.

Mesmo assim, os pessimista são militantes vigorosos – eu, quando pessimista, justificava a militancia dizendo que, ainda que infrutifera, a luta era um mandamento do Evangelho. Seja como for, no pessimismo vemos enormes criticas ao pecado, a apostasia e a degradação moral da sociedade; ao mesmo encontramos a negação de que as coisas possam ser diferentes do que são. Um amigo me disse, não muito tempo atrás, que isso caracteriza uma personalidade esquizofrenica, e talvez seja exatamente o caso. Sem generalizar, há boa dose de realidade em tal descrição. Esse pessimismo, especialmente se escatológico, tem gerado grandes bizarrices ‘religiosas’, e até tragédias imensuráveis, ao longo dos séculos.  Na comunidade cristã mais próxima da sua casa deve haver um pessimista, facilmente identificado por sua fascinação por significados ocultos, conspirações de todos os tipos, e teorias tecnológicas que botariam invenja em Perry Rhodam; ou, se não chega a tanto, pelo discurso derrotista que não vislumbra o triunfo histórico do Cristianismo.

“Rompendo em fé”. Para o otimista tudo vai muito bem, mesmo aquilo que anda mal. Ele se iguala ao pessimista na inércia, pois o pleno contentamento produz quietude. E porque, via de regra, o otimista é mais coerente que o pessimista, torna-se mais improvavel que se envolva com mudanças. O pessimista, pelo menos, pode morrer lutando, mesmo convencido da derrota. O otimista, por sua vez, não vê razão para lutar. Ele está confortavelmente sentado no topo do mundo. Como a avestruz que esconde a cabeça na terra, fingimos que não vemos os problemas, e seguimos “rompendo em fé”, e “saltando muralhas”. Muito se vê disso na Igreja de hoje; se trata de um sentimento tão comum quanto o pessimismo – esses dois extremos destrutívos unem-se contra o Homem. Se há uma religião que possa ser definida como “ópio do povo”, é esta.

Ser demasiadamente otimista anula qualquer movimento em direção a Reforma, pois desejar reformar algo implica em insatisfação – e implica, por conseguinte, o conhecimento de um padrão melhor, que deve ser tomado como meta. O pleno contentamento nos faz pensar que o status quo atual é o máximo a se atingir, e o espírito da reforma é expulso. Daí o discurso triunfalista do cristianismo atual ser tão pernicioso: ele nos diz que “somos ricos”, quando na verdade somos apenas “pobres, cegos e nús”. E ainda pior: ele transforma o nosso staus quo no padrão para julgar a Verdade, quando a Verdade deveria julgar o status quo. Há, literalmente, centenas de exemplos, mas ficaremos com um dos mais simples.

Imagine um pregador famoso, com um histórico de muitos milagres em seu curriculo. Esse pregador, de acordo com a opinião corrente, é um Homem de Deus. Acontece que ele passa a ensinar doutrinas estranhas e questionáveis. Ou talvez venha cometer este ou aquele deslize moral – afinal, é humano! Se um simples leigo passa a desafiá-lo, nas Escrituras, que acontecerá! Os seguidores da opinião corrente quase certamente criticaram tal leigo, afinal, quem ele pensa que é a ponto de julgar o Homem de Deus! Toda vez que algo semelhante a isso acontece, estamos fazendo do nosso status quo o padrão para a Verdade, quando o correto é exatamente o oposto. Tal attitude, como parece ficar claro, tem muito haver com um otimismo exagerado sobre a real situação do mundo a nossa volta, ou da real situação na qual nos mesmos nos encontramos.

“Já, mas ainda não”. A cosmovisão cristã é pessimista e otimista ao mesmo tempo, na devida proporção, e no devido tempo. O Cristianismo oferece um verdadeiro equilibrio entre essas duas forças paradoxais. Ao nos confrontar com a Queda, diz-nos do pecado original que a tudo corrompeu, não deixando sobre a face da terra um único justo sequer. Isso, por sí só, é o bastante para nos livrar do insano otimismo de que falamos a pouco. A Queda nos ensina que é tolice confiar nos religiosos, nos politicos, nos artistas, nos amantes, nos professores, e em nós mesmos. Uma única palavra resume a essencia humana: pecado.  No entanto, esse mesmo Cristianismo nos fala de um ideal, de um “já, mas ainda não”, de um Reino que virá plenamente, mas já está “entre vós”!

A contemplação do pecado nos insatisfaz, nos entristece, nos dá sede. A contemplação da Graça, e das promessas do Reino, nos faz erguer a cabeça e caminhar confiantes para construir algo melhor. O Cristianismo não confia no Homem – como os otimistas fazem; tão pouco o joga fora – como fazem os pessimistas. Olhamos para a Cidade dos Homens e percebemos o que ela não é; olhamos a para a Cidade de Deus e notamos o que ela, a Cidade dos Homens, deve ser. Escolhi “dever ser” o invés de “deveria ser”, pois qualquer um pode dizer que as coisas não são como “deveriam ser”; a diferença está em dizer “as coisas não são como devem ser”. Se Marcelo deveria ser um escritor melhor, é pena, mas nada está sendo feito para mudar sua inabilidade; mas, se Marcelo deve ser um escritor melhor, há um descontentamento imperativo, e, possivelmente, agente de mudança! Fico pensando em quantas pessoas já lamentaram algo em meu estilo ou personalidade – aquilo que eu deveria ser - , mas apenas aqueles que me apontaram um caminho melhor foram agentes de transformação!

O dito acima não foi, nem poderia ser, uma resenha do pensamento de Chesterton, mas dos meus próprios. Mas, Chesterton, ao me falar da diferença entre estes três, o otimista, o pessimistas e o cristão, me inspirou a dizer coisas que eu já havia dito, mas, agora, com palavras mais sofisticadas (ao menos assim me parecem). Isso se dá, especialmente, porque Chesterton, brilhantemente, aponta o paradoxo cristão onde otimismo e pessimismo co-existem, não como inimigos, mas como cara e coroa. Neste sentido, o unico homem que pode dizer, de modo racional, que é otimista ou pessimista com relação a alguma coisa, é o cristão. Apenas o Cristianismo tem o que podemos chamar de verdadeiro otimismo e verdadeiro pessimismo. Pessimista quando olha para o homem, otimista quando olha para a realidade que transcende todas as coisas.

Por fim, como um leitor atento pode, (ou não), ter notado, pessimismo e otimismo tem, ao meu ver, grande relação com nossa escatologia – da minha parte, sou da turma da Escatologia da Esperança, marcada pelo otimismo bíblico sobre o futuro, alicercada no pessimismo também bíblico sobre a natureza humana. Estou escrevendo um artigo sobre isso, no qual procuro responder se o Calvinismo é ou não uma teologia de pessimismo; mas, por hora, quero apenas dizer que apologia não é pessimismo. Apesar de nenhum otimista exagerado ser capaz de ser apologista, a apologia é, de corpo e alma, uma guerra para a qual a Igreja se alista na esperança, e na certeza, de vencer. 

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