A respeito da Certeza de Salvação

Por Marcelo Lemos


Pergunta enviada por leitora do blog: "Reverendo, como posso ter certeza se estou salva realmente, e posso não ter sido eleita?". Publico, então, um artigo que já foi postado em nosso blog há uns dois anos. Creio que ele responde com bastante propriedade a esta questão.

Cristo derramou seu sangue em favor da humanidade. Essa afirmação é central em todas as confissões de fé da religião crista ortodoxa. Mas, sabemos dar a ela sua real importância?

Ao escutar os pregadores e seus ouvintes falando sobre o sacrifício redentor de Cristo, somos, muitas vezes, surpreendidos por um inquietante questionamento: sabem eles das implicações lógicas (e bíblicas) daquilo que dizem crer? Uma coisa é dizer crer em Cristo Redentor, outra coisa é assumir as consequências de tal doutrina. Não se trata de uma pergunta inútil, afinal, a Idade Média já demonstrou a possibilidade de haver muita gente cristã e, ainda assim, muitos não serem capazes de discernir a Obra da Cruz. Estaria a cristandade hoje em situação melhor?


Em melhor situação ou não, depende para qual lado olhamos. Em alguns lugares, encontramos um cristianismo simples: alegre e confiante, baseado apenas na fé, e que produz frutos de gratidão às benesses de Cristo. Em outros lugares, porém, nos deparamos com assassinos. Não, não estão armados com facas e fuzis. Sua arma é a salvação meritória. Sim, a salvação meritória é a arma letal mais poderosa que existe, milhares de pessoas se deixam escravizar por uma religiosidade cheia de regras e obrigações, baseadas não na Lei de Deus, mas em tradições meramente humanas.
Os estragos produzidos por estes poderosos assassinos estão por todos os lados. Na paranoia apocalíptica de gente que não toma  Coca-Cola, por motivos de ‘santificação’; nas ‘danças proféticas’ de outros que, de outra forma, considerariam pecaminoso se expressar por meio do corpo; nos malabarismos extravagantes, tidos como adoração, daqueles que já não se sentem agradando a Deus na simplicidade do “com ordem e decência”; na sexualidade frígida, e castradora, daqueles que não conseguem assumir o significado obvio de expressões como “o seu fruto é doce ao meu paladar” (Cantares 2.3), enfim. O coração humano deseja se fazer “aceitável”. Todos nós gostamos do que diz uma famosa propaganda de automóvel: “quem tem, fez por merecer”. E nesse desespero, desejosos de nos sentirmos merecedores da salvação, nos afundamos em regras,  tradições humanas, e, o que é pior, em insegurança. Por mais estranho pareça, o fato é que muitos cristãos vivem com medo, especialmente se alguém lhes diz, por exemplo, “Cristo está voltando”. Elas tem medo, mesmo a Bíblia dizendo que aqueles que creem em Cristo já passaram da morte para a vida. Mas, se Cristo já as salvou, elas tem medo de que? Elas tem medo porque, lamento dizer, não compreenderam completamente a mensagem simples e emancipadora do Evangelho.

A salvação meritória é um problema de teologia; no entanto, já não consigo mais ver tal problema apenas como o clássico conflito: arminianos vs. calvinistas. Tenho a impressão de que os dois grupos correm riscos semelhantes, apesar do primeiro já começar o debate lutando na areia movediça. O sentimento de “mérito” é tão forte em nós, que é virtualmente impossível nos livrarmos dele. Ele está presente quando o arminiano diz que é possível perder a salvação. Ele está presente também quando o calvinista pretende encontrar, no homem, provas objetivas da eleição, sua ou de outrem.

Em ambos os casos, tanto arminianos quanto “calvinistas”, pretendem encontrar alguma base objetiva para a segurança da salvação. Eles desejam caminhar por vista, e não por fé. Nisto, arminianos e calvinistas parecem estar longe da pregação de Lutero e Calvino. Do lado arminiano, tal distanciamento é premeditado, tendo nascido exatamente para se opor a doutrina da Eleição Gratuita. Do lado “calvinista”, tal distanciamento aparenta ser fruto de uma interpretação errônea do pensamento puritano. E por isso coloco o termo (calvinista) entre “aspas”.

Aqui cabe um questionamento: será que os puritanos originais eram moralistas frios e severos? Se o foram, modificaram a teologia reformada. Se não o foram, alguns que se dizer puritanos na atualidade estão mudando a teologia deles. Ainda não sei qual conclusão é a melhor, mas sinto-me atraído pela alcançada pelo anglicano C.S. Lewis. O autor de Crônicas de Narnia, citado por Douglas Wilson, afirma:

Devemos imaginar estes puritanos como o extremo oposto daqueles que de dizem puritanos hoje; imaginemo-los jovens, intensamente fortes, intelectuais, progressistas e muito atuais. Eles não eram avessos a bebidas com álcool; mesmo a cerveja, mas os bispos eram sua aversão – C.S. Lewis; citado por Douglas Wilson.

E Douglas Wilson acrescenta: “os puritanos fumavam (na época não se sabia dos efeitos danosos do fumo), bebiam (com moderação), caçavam, praticavam esportes, usavam roupas coloridas, faziam amor com suas esposas; tudo isso para a glória de Deus, o qual os colocou em posição de liberdade”.

Seja como for, toda vez que a teologia procura bases objetivas, no homem, para a segurança da salvação, estabelece algum tipo de salvação por mérito. O grande pregador Spurgeon, num texto que estamos publicando aqui no Olhar Reformado, comenta sobre isso. Ele conta que soube de uma jovem que sua alma atribulava-se pela incerteza da salvação. Seu comentário é de muito valor para nosso tema:

Há algum tempo, uma jovem mulher encontrava-se em meio a grande tribulação em sua alma. Ela se aproximou de um cristão muito piedoso, que lhe disse: “Minha querida amiga, deves ir para a casa orar!”. Eu pensei comigo mesmo: nada disso é bíblico. A Bíblia não diz: “Vai para a casa e ora”. A pobre jovem foi para sua casa e continuou sofrendo sua tribulação. O homem lhe disse: “Deves ter paciência, deves ler as Escrituras e estudá-las”. Isso também não é bíblico; isso não é exaltar a Cristo.

Descubro que muitos pregadores estão pregando essa classe de doutrina. Eles dizem ao pobre pecador convencido: “Precisar ir para a casa orar, ler as Escrituras, assistir aos cultos, etc”. Obras e obras. Ao invés disso deviam dizer: “Por graças sois salvos, por meio da fé!”. Minha resposta aquela jovem mulher seria esta: “Creia no nome do Senhor Jesus Cristo!”. Não diria a ninguém, que está em dúvida sobre sua salvação, que ore ou que leia as Escrituras, ou que assista ao culto. Eu lhe apresentaria a fé, a fé simples no Evangelho de Deus. Não que menospreze a oração; isso deve vir depois da fé. Não que diga uma única palavra contra o estudo das Escrituras; este é um sinal infalível de ser um filho de Deus. Não que tenha objeções contra ir ao templo para se ouvir a Palavra de Deus; que Deus não me permita tal coisa! Alegro-me vendo as pessoas no templo! Porém, nenhuma destas coisas é o caminho da salvação. Em parte alguma está escrito: “O que assiste ao culto será salvo!”, ou “O que lê a Bíblia será salvo!”. Não li em qualquer lugar: “O que ora e é batizado será salvo!”; mas sim, está escrito: “Aquele que crer será salvo!” – o que tem uma fé sincera no ‘Homem Cristo Jesus’; em sua divindade e em sua humilhação, está livre do pecado!

Pregar que somente a fé salva, é pregar a verdade de Deus. Igualmente, jamais reconhecerei como ministro do Evangelho, alguém que prega qualquer outra coisa como plano de salvação, que não seja a fé em Jesus Cristo. A fé, a fé, e somente a fé em seu nome! Porém, a maioria das pessoas se encontra envolta em suas próprias idéias. Temos impregnado em nosso cérebro tão alto conceito de mérito, que nos é quase impossível pregar de maneira clara e completa a justificação pela fé; e se conseguimos fazê-lo, então as pessoas não conseguem receber tal pregação. Dizemos-lhes: “Creia no Senhor Jesus e serás salvo!” – Trecho do sermão “Pregar o Evangelho”; pregado em 05 de Agosto de 1855, em NEW PARK STREET CHAPEL. Este trecho está sendo publicado aqui no blog com o título “O que é Pregar o Evangelho?”.

Não que o cristão não possa ver, em sua vida, provas objetivas da obra interna realizada pelo Espírito Santo. No trecho acima, o próprio Spurgeon afirma que o amor pelo Estudo das Escrituras seria “um sinal infalível de ser um filho de Deus”. Porém, estes sinais não são a base da nossa segurança – tal segurança encontra-se apenas em Cristo! Afinal, tais “sinais” ‘vem e vão’, aumentam e diminuem! Se olharmos para tais “sinais” como forma de obter segurança, jamais a alcançaremos. De modo que um “calvinista” que se vale de tal método de verificação pouco difere, neste aspecto, do pregador arminiano.
A única base segura da salvação eterna é a fé. Não existe nada em nós que possa promover tal segurança. Este é, como veremos abaixo, o ensino da Sagrada Escritura (por algum motivo, negligenciado pelos pregadores modernos). A Bíblia jamais ensina uma salvação por mérito, mas uma salvação baseada na GRAÇA de Deus por nós:

Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; e todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades como um vento nos arrebatam. (Isaías 64:6)

Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. (Gálatas 2:16)

Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; (Efésios 2:8-9)

Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos. (Tiago 2:10)

Quem nEle crê não é condenado; ... (João 3:18)

E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da Minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de Meu Pai. (João 10:28-29)

... os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou. (Rom 8:28-30)

Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? ...  Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, Nem a altura, nem a profundidade, nem nenhuma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor. (Rom 8:35, 38-39)

... Seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus. (1Cor 5:3-5)

E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da redenção. (Efé 4:30)

“Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo.” (2Tm 2:13)

Que a Bíblia ensina? Que somos pecadores, pecadores, pecadores. Mas também ensina que Deus, por amor e graça, através de Cristo nos concedeu plena salvação. Cantamos hinos e mais hinos sobre o amor de Cristo; pregamos aos incrédulos que eles devem vir a Cristo para serem salvos, no entanto, contradição das contradições, nós mesmos não temos certeza da salvação?

Acho que poucas pessoas conseguiram falar sobre a segurança da salvação como David Cloud. O trecho que reproduziremos a seguir é parte de uma carta que enviou como resposta a uma senhora que não conseguir ter certeza da vida eterna e, portanto, já havia feito profissão de fé várias vezes, numa tentativa desesperada de ser “sentir salva”. Cloud, que nem calvinista é, lhe escreveu:

A Salvação é um presente. Treze vezes no Novo Testamento é chamada de um presente.  Jesus Cristo pagou um alto preço por isto. Ele oferece isto a todo pecador. Salvação é recebida através da fé. Fé é "a mão do coração" que salta para fora para receber o presente maravilhoso de Deus. Um presente significa que é absolutamente grátis e nunca será tirado de volta. Se você tivesse de ganhá-lo por merecimento, então ele não seria um presente. Se o doador pudesse tomá-lo de volta, ele não seria um presente. Eu sei que Henry Ford costumava dar automóveis a empregados quando eles o agradavam, mas ele tomava de volta os automóveis se os empregados não o agradassem mais. Isso não é um presente e nós podemos glorificar a Deus porque Ele não é assim. Não há nenhuma "corda presa" ao Seu presente santificado.

(...) Mais uma coisa. É suposto que um presente é desfrutado. Deixe de se preocupar e se irritar e olhar para si mesma, ao invés disso, olhe para seu Salvador e desfrute do Seu presente. Você pode descansar em Cristo. O Senhor sabe tudo sobre você e sua situação e Ele quer que você desfrute de sua salvação. Você é uma jovem esposa e mãe e tem um filho pequeno. Isso significa que você está debaixo de muita pressão na vida. Deus não espera mais de você do que você pode dar. Ele não é um cruel e insensível feitor de escravos. Ele é um Pai terno e amoroso. Você não se sentirá sempre salva quando as crianças estiverem chorando, e seus hormônios femininos trabalhando além da conta e você não se entende, e quando seu marido jovem não for muito compreensivo, e o dinheiro está faltando e talvez outra criança está a caminho quando você nem mesmo superou o último nascimento, e você está morando num espaço limitado, e o jantar queimou, e você sente como se estivesse adoecendo, e o carro está quebrado, e o secador aquece demais, e a sogra está se queixando de algo, e uma pessoa querida há pouco foi diagnosticada com câncer, e você está correndo atrasada para a igreja, e você não aparenta saber arrumar nada, etc. etc. etc.

Isso é vida. Como eles dizem: "vida acontece" e sentimentos fazem parte de tudo. Eles vêm e vão. Você pode se sentir salva hoje e não salva amanhã, sentir que Deus a ama hoje e que Ele a odeia amanhã, sentir que a oração e leitura da Bíblia são as coisas mais maravilhosas em todo o mundo hoje, e amanhã sentir que isso é um trabalho penoso e entediante. O sentimento em si mesmo não significa nada.
Salvação é fé do começo até o fim. Ela é “de fé em fé” (Rom. 1:17). E fé não é ver. “Porque andamos por fé, e não por vista”.  (2 Cor 5:7). “Porque em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos.” (Rom 8:24-25).  Salvação não é ver ou sentimento; ela é crer na promessa de Deus em Jesus Cristo. Romanos 8:18-25 descreve a vida cristã em termos de sofrimento. A experiência cristã nesta vida nem sempre é agradável. Na realidade pode ser, às vezes, extremamente difícil. Nós estamos nos arrastando ao redor de um corpo morto (Rom 7:24). Isso não é muito agradável. Nós estamos esperando e estamos ansiando pela abundância de nossa salvação prometida, mas nós ainda não temos isto e esperar é difícil. Nós temos o Espírito Santo, o penhor de nossa herança (Efé 1:14), e nós temos benefícios maravilhosos nesta vida; mas nós ainda não experimentamos a nossa salvação completa. Nós somos os filhos de Deus, mas nós ainda não desfrutamos todo o benefício que isso significa. Nós somos os filhos do grande Rei, mas nós ainda não nos deleitamos naquele reino glorioso. Nós olhamos adiante para o glorioso amanhã do amanhã, mas estamos vivendo dentro do imundo agora e agora. – ‘Sobre Duvidar da Salvação’; extraído do portal solascriptura-tt.org.

No segundo artigo da série ‘Eleitos por Deus’; publicada aqui no projeto ‘Olhar Reformado’, escrevi algo que passarei a reproduzir a seguir. Trata-se de um exemplo de como Lutero tratava a certeza da salvação. Nos dias de Lutero, viveu uma senhora por nome Bárbara Lisskirchen. Quando ela, assolada pela dúvida sobre sua salvação, recorreu a Lutero a procura de conselhos, descobriu, na prática, o grande diferencial entre a doutrina do grande Reformador e a doutrina da Igreja de Roma.

Certamente, a senhora Bárbara Lisskirchen conhecia qual era a resposta do Catolicismo Romano para os temores que assaltavam o seu coração. Certamente, ela seria exortada a fazer uma série de orações; seria intimada a comprar algumas indulgências ou constrangida a algum voto de castidade depois da confissão auricular. Enfim, o certo é que como toda religião farisaica, o Catolicismo Romano tinha pronta uma grande lista do que ela deveria fazer para acalmar sua consciência e agradar a Deus. Infelizmente, a maior parte dos ‘evangélicos’ estão mudando de lado, pregando hoje uma salvação baseada no merecimento, e não na Graça...

Qual não deve ter sido sua surpresa daquela senhora ao ouvir o conselho de Lutero, e creio que os ‘evangélicos’ de hoje também irão se surpreender:

Quando tais pensamentos a assaltam, você deve aprender a perguntar a si mesma: “Por favor, em que mandamento está escrito que eu deva pensar sobre esse assunto e lidar com ele?”. Quando descobrir que não há tal mandamento, aprenda a dizer: “Saia daqui, maldito diabo! Você está tentando fazer com que eu me preocupe comigo mesma. Meu Deus declara em todos os lugares que eu devo deixá-lo tomar conta de mim [...]”

A mais sublime de todas as ordens de Deus é esta, que mantenhamos diante de nossos olhos a imagem de seu Filho querido, nosso Senhor Jesus Cristo. Todos os dias ele deve ser nosso excelente espelho, no qual contemplamos o quanto Deus nos ama e quão bem, em sua infinita bondade, ele cuidou de nós ao dar seu Filho amado por nós. Desse modo, eu digo, e de nenhum outro, um homem aprende a lidar adequadamente com a questão da predestinação. Será evidente que você crê em Cristo. Se você crê, então será chamada. E, se é chamada, então muito certamente está predestinada. Não deixe que esse espelho e trono de graça seja quebrado diante de seus olhos [...] Contemple o Cristo dado por nós. Então, se Deus desejar, você se sentirá melhor.

O que Lutero está querendo ensinar à senhora Lisskirchen é o seguinte: “Filha, quando o maldito diabo vir lhe dizer que você não pode ser salva; diga-lhe apenas o seguinte: Claro que sou salva! Como posso não ser salva se Deus, na Bíblia, me diz que sou salva pela fé?”. Bárbara Lisskirchen pode até ter ficado surpresa com este conselho, mas, provavelmente muitos teólogos ditos ‘evangélicos’ dos nossos dias, excluiriam Lutero de seu quadro de membros...

Diversas vezes sou questionado: “Mas isso não é o mesmo que dar à pessoa uma licença para pecar?”. Não compreendo como um cristão possa levantar uma objeção como essa. Primeiramente, ela esconde o desejo de obter uma salvação meritória. Ela esconde o desejo de ganhar a vida eterna na base da pontuação: ‘Bem, crente, vamos somar seus pontos positivos e os seus pontos negativos!’. É Assim que muita gente imagina Cristo: um Deus que soma nossos ponto para ver se seremos ou não salvos. Isso é blasfêmia, pois Cristo morreu para PAGAR os nossos pecados, todos eles!  Além disso, tal objeção ignora a natureza humana, pois, desde quanto o homem precisa de licença para pecar? Isso é absurdo – nós simplesmente pecamos!

De fato, pecamos, pecamos e pecamos! Nenhum terror imposto pela religião nos faria deixar de pecar. A falta de ética no evangelicalismo brasileiro, arminiano e legalista até os ossos, é um triste testemunho desta realidade. A maioria das Igrejas de nossos dias coloca medo nas pessoas, e nem por isso elas deixam de pecar. Ou seja, o medo não faz o homem ser melhor.  Israel, apostata mesmo sob as duras penas do Antigo Pacto, também nos aponta para o mesmo fato. E mesmo os heróis da fé, e os grandes cristãos da história, comprovam a mesma coisa. A graça, e apenas a graça, é o caminho válido para a santificação: “Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis então da liberdade para dar ocasião à carne, mas servi-vos uns aos outros pelo amor. Porque toda a lei se cumpre numa só palavra: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gálatas 5.13). Em outras palavras, o cristão deve se santificar, sim, mas não por medo, mas por amor e gratidão a Deus, movido pelo Espírito Santo.

Será que é por isso que a maioria dos evangélicos brasileiros é analfabeta em Gálatas? 

Será que é por isso que tanto se esbaldam em ‘votos’ e ‘sacrifícios’ do Antigo Testamento? Ah, como lhes deve assustar a simples idéia de que não precisam de cobertura espiritual; e tão pouco pagar por ela! Que não precisam plantar ‘sementes’ que patrocinam a megalomania de meia dúzia. Como devem temer ouvir “tomai sobre vós o meu julgo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas” (Mateus 11.29). A salvação não se baseia em deixar de fumar, em dar ofertas, em fazer campanhas e jejus, mas sim, na Graça maravilhosa de Deus!

Paulo, o grande defensor da salvação exclusivamente pela fé, costumava receber a seguinte objeção: “Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde?” (Romanos 6.1). Alguém escreveu que este deveria ser o teste de todo pregador. Em outras palavras, se a sua pregação não te faz correr o risco de ser mal interpretada, como a de Paulo foi, então você provavelmente não está pregando o Evangelho da Graça. Cristo morreu para salvar os pecadores, está é a única mensagem do Evangelho; o resto, é blasfêmia.
Paz e bem

Autor: Marcelo Lemos Gonçalves; bacharel em Teologia, editor do blog Olhar Reformado, e líder da Comunidade Anglicana Carisma, em São Mateus, Zona Leste de São Paulo.

Aos Domingos, após as 22:00, Marcelo Lemos apresenta, ao vivo, o programa OLHAR REFORMADO ONLIVE, pela TVBasileia!

2 comentários :

  1. Como uma pessoa desviada sabe que é um eleito pastor? Porque é facil responder se ele estiver firme na igreja e tal. Agora, alguem que se desviou, como saber se é realmente salvo e está simplesmente passando umas "trevas" ou se realmente nao foi conversao genuína? Pra alguem que ta desviado é muito difícil saber sua situaçao.

    ResponderExcluir
  2. Vinicius;

    Olha, a doutrina da Eleição jamais visa, nas Escrituras, dar alento a quem se afasta! De modo que eu não vejo como um desviado se valer de tal doutrina para manter-se tranquilo; neste caso, mais recomendada é a enfase puritana no auto-exame, ou como diz o apóstolo "Sairam de nós porque não eram dos nossos". É um alerta que todo 'desviado' deveria tomar para si.

    No entanto, se um desviado se mantem convicto de pecado, conciente apenas da salvação em Cristo, etc, acredito que tais elementos podem indicar um momento de trevas em sua vida; porém, sabemos que um eleito jamais se afasta indefinidade, e se tal pessoa morre 'desviado', não era um eleito. Um desviado sabe o dia de sua morte? Não, portanto, ele deve ouvir a dureza da doutrina da eleição, e não o alento dela.

    Abraços

    ResponderExcluir

Comente e faça um blogueiro sorrir!

Reservamos o direito de não publicar comentários que violem a Lei ou contenham linguagem obscena.