Uma geração de mascarados


Marcelo Lemos

Vai longe o tempo que eu gostava de musica gospel. Confesso que já tive meus momentos. Ainda gosto de música cristã, evidentemente.  Evangelical ou não pouco importa. Que Johann Sebastian Bach não me deixe mentir. De gospel, salvo algumas honrosas exceções, não gosto, apesar de Veja o apontar como o segundo gênero musical mais rentável do País. Talvez seja pessimismo, exagero meu, mas seria o caso da musica gospel ter se tornado “insípida”?

Se meu pessimismo tem alguma porção de realismo, seria o caso de começar explicando o “insípido” da questão. Trata-se de uma figura utilizada por Cristo a respeito do testemunho da Igreja.  Na ilustração, Jesus quer dizer que a Igreja está para o mundo assim como o sal está para a conservação do alimento, e como a luz está para a iluminação de uma casa. Se essa luz esconde-se, ou se o sal deixa de salgar (torna-se ‘insípido’, sem sabor), perde também a sua razão de existir.

Antigamente, quando erámos adolescentes, a música evangélica, que mais tarde evoluiria para gospel, servia para identificar um povo, uma fé, um conjunto de valores. Hoje não é mais assim. Se escuto alguém ouvindo este ou aquele cantor gospel dentro do ônibus, não necessariamente devo identificar o ouvinte como sendo cristão. Pode ser apenas um simpatizante, ou simplesmente alguém que gostou do “som”. Os cantores que posam nos Altares como “levitas” são os mesmos que dividem o palco com sambistas e duplas sertanejas.

Isso me faz ter saudade daquele tempo em que ouvir “musica do mundo” era uma grande heresia. Naqueles tempos era bom ser herege. Eu, que gosto de ouvir um bom rock, um blues, um jazz e musica clássica, precisava suportar alguns olhares tortos; havia, contudo, uma grande vantagem: quando ouvia musica evangélica sabia exatamente qual o objetivo. Hoje essa linha divisória está cada vez mais difícil de identificar. Estamos confundindo diversão com adoração. Estamos fazendo musica para o homem pensando ser para Deus.

Mas não é só isso que torna nossos dias piores. Em muitos casos, os levitas – e seus pastores, apóstolos e profetas - continuam demonizando a musica secular. Alguns dizem que é por medo da concorrência. É possível, já que musicalmente boa parte do que recebemos dos levitas é lixo. Isso sem falar nas dancinhas que somos obrigados a assistir em vídeo clipes tipo “B”, e até mesmo em apresentações coreográficas nos templos, que quase sempre nos fazem sentir aquela vergonha alheia. Seja como for, trata-se de uma grande hipocrisia. Pirateamos a musica secular e queremos patente celestial? Geramos uma geração de mascarados.

Todavia, o império gospel não é intocável. O incômodo provocado pelas vozes discordantes, que produz protestos veementes de gente grande no meio, é uma excelente prova. Deus sempre terá seus Sete Mil que não se dobram. E o Evangelho sempre será a pequena semente que, caindo no solo, brota e produz uma grande árvore. E é nessa esperança que lutamos. Não lutamos para destruir. Nossa luta é para Reformar.

2 comentários :

  1. Fico Feliz que ainda existem pessoas que refletem sobre aquilo que escutam...Gostei muito do Texto!
    Paz e Bem!

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  2. Não o conheço, mas já o admiro. Tenho 47 anos e nasci em um lar cristão. Meus pais eram batistas, aliás, "batistões". E era exatamente como você escreveu. Existia música mundana e música sacra ou evangélica. Impossível não ser tocado no coração e na alma ao ouvir o cântico congregacional batista, pentecostal, presbiteriano, adventista ou de qualquer outra denominação evangélica de duas décadas atrás. Hoje se dança, se balança mais do que se canta. Sem falar no conteúdo das letras que as vezes beira a heresia. Éramos felizes e não sabíamos.

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