Fundamentos de fé: Introdução




Rev. Marcelo Lemos


Estaremos iniciando um curso introdutório de Teologia em nossa comunidade, ao qual chamaremos “Fundamentos de Fé”. Nossos passos serão guiados pelo Credo dos Apóstolos, provavelmente a confissão de fé cristã mais antiga que dispomos. Poderiamos começar com o Catecismo Século 21, que nossa Igreja aprovou por unanimidade em seu último Sínodo (2012), ou com os 39 Artigos da Religião, que nós anglicanos utilizamos já a quase 500 anos. Escolhemos começar com o Credo Apostólico, e a razão é bem simples, e significativa.



É no Credo dos Apóstolos, bem como nos demais credos que a cristandade redigiu nos dias da Igreja indivisa, onde encontramos aquelas que são, até que se prove o contrário, as Doutrinas Centras da religião cristã. Há muitas outras doutrinas, que distinguem uma tradição cristã da outra, mas é no Credo que encontramos o que o Cristianismo é, em sua essencia primeira, e que nos define membros da família do Cristo. Não é possível compreender ou viver a catolicidade da fé cristã sem o entendimento correto deste ponto. Infelizmente, em nossos dias é mais comum que encontremos a nossa volta “cristãos denominacionais”, quando melhor seria convivermos com “cristãos”, simplesmente.


Não que eu seja contra do Denominacionalismo, e o anti-denominacionalismo nada mais é que mais um extremismo prejudicial à Igreja, e à sua missão no mundo. Eu reconheço o valor das demonominações. Todavia, é necessário compreender a Teologia Cristã como existindo em, pelo menos, três níveis distintos. Para nós, genericamente chamados evangélicos, a Teologia pode ser vista como: a) Doutrinas Fundamentais (primeiro nível); b) Pilares da Reforma (segundo nível); c) Distintivos Denominacionais (terceiro nível).


Doutrinas Fundamentais


Do ponto de vista teológico, quem é Cristão? A Igreja buscou responder isso através de seus Credos. Ainda que depois do Primeiro Cisma, que fez separação entre cristãos ocidentais e orientais, algumas diferenças começem a roubar a cena, o fato é que a Igreja indivisa sabia exatamente o que era um Cristão, do ponto de vista confessional, teológico. Daí a necessidade de compreendermos qual é o ensinamento milenar da Igreja, que nós herdamos nas Escrituras Sagradas, e também nos Credos. É aí que você e eu podemos tocar o coração da Religião de Cristo, não apenas para aprofundarmos nossa fé, mas também para que possamos aprender a conviver melhor uns com os outros, mesmo quando nossas tradições diferem em assuntos secundários.


Pilares da Reforma


Se você acham que a Igreja Evangélica caiu do céu, ou que algum missionário ou apóstolo recebeu determinada “reveleção” e, pimba!, lá estava o evangelicalismo, recomendo que você pesquise melhor a História da Igreja. Nós nascemos da chamada Reforma Protestante. “Protestante”, pois se protestava contra algumas práticas da Sé Romana, como a adoração de relíquias e a venda de indulgências. “Reformada”, pois não havia qualquer inteção se dividir a Igreja, muito menos de criar um “nova” Igreja. Reformar é como tirar o que está velho, inadequado, e restaurar os padrões originais.


Precisamos notar algo aqui. Uma vez que Reformar não é destruir, então, estamos em um segundo nível da Teologia Cristã, não no primeiro. Em outras palavras, ser um “Reformado”, “Protestante”, ou mesmo “Evangélico”, não é o que faz você cristão... Sei que isso é pesado para muitos de meus leitores, mas é a lógica. Primeiramente eu sou cristão, e depois Reformado. Por isso temos cristãos católicos, cristãos ortodoxos, e cristãos... reformados, evangélicos, protestantes. Eu não posso ser Reformado, em antes ser Cristão.


Vamos ilustrar isso. Há muitas seitas que se pretenderm herdeiras da Reforma, ou pelo menos, dizem que a primeira reforma teria sido incompleta, e que elas receberam a missão de “completar” o trabalho. No entanto, são seitas. Por qual razão? O motivo é que elas, apesar de se considerarem herdeiras da Reforma, negam alguma doutrina fundamental da fé, e estragam todo o resto. Um bom exemplo disso seriam algumas seitas unicistas que andam por aí: ao negarem a distinção entre as “pessoas” da Divindade, deixam de ser cristão (ainda que usem nomes como reformados, evangélicos, pentecostais, ou qualquer outro).


Distintivos Denominacionais


Como escrevi acima, muito mais comum que encontremos nossos debates se dando no terceiro nível, onde encontramos nossas diferentes tradições denominacionais. Não é raro debates que pretendem defender a pureza da fé cristã, e que na verdade faz apologia de uma tradição eclesiástica. Quando um teólogo não aceita o Batismo de uma tradição diferente, pois nela a forma do Sacramento é diferente, trata-se de um clássico exemplo deste fato. Neste caso, as pessoas estão mais preocupadas com a quantidade de água, ou com o modo como a água foi administrada durante o rito, que com o significado e efeito do próprio rito. Não estou dizendo que é ilegítimo tentarmos verificar o “modo correto” do Batismo (ou de outro Sacaramento), apenas gostaria de demonstrar como é possível dedicarmos enorme esfoço aos detalhes que nos “separam”, quando termos um fundamento muito mais poderoso que nos une.


Por isso muitas pessoas estranham quando eu falo a respeito da “catolicidade da fé”. No entanto, é coisa muito simples – apenas me refiro a esta fé que existe em nós, apesar das nossas diferentes tradições, e variantes culturais. Por ser anglicano, esse é um conceito muito valioso para mim. A tradição anglicana valoriza algo que chamamos “via média”, ou “o caminho do meio”. Na prática, acreditamos que uma vez que os fundamentos da fé estão firmes, as diferenças secundárias são... bem... secundárias, e ponto. Eis a razão mais provavel pela qual muitos irmãos reformados, mas de outras tradições, muitas vezes estranham nosso jeito de ser. Eles tendem a nos considerar muito “abertos”. De certo modo somos exatamente isso. No anglicanismo temos uma Igreja chamada “Alta”, outra chamada “baixa”, e ainda uma terceira, “ampla”. A primeira valoriza grandemente a liturgia, e os ritos, a segunda, dá pouco valor para eles, e a terceira fica num meio-termo. Porém, todos são aceitos numa mesma “denominação”, partindo da premissa de que todos estão comprometidos com as doutrinas centrais da Fé.


De modo que, em síntese, conhecer os fundamentos da nossa Religião trás dois benefícios, no mínimo. Em primeiro lugar, fortalece nossa fé, e nos prepara para melhor vivê-la e defendê-la. Em segundo lugar, nos ajuda a controlar nossas “garras Wolverine”, a fim de nos aceitamos como irmãos, reservando forças para quem, de fato, representa ameça à causa do Evangelho.

Um comentário :

  1. Graça e paz Marcelo.

    Muito bom o texto. Explicações bem claras e concisas. Obrigada por sempre estar prestando serviço de informação à comunidade cristã.

    Abraços fraternos. Deus continue abençoando sua vida e família.

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