Aos Buscadores de Milagres

Aos ‘Buscadores’ de Milagres!

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Marcelo Lemos

João Calvino


- O seu pastor consegue ver o que está acontecendo na sua vida?

- Não. Ele só consegue pregar...

- Então, meu filho, você precisa conhecer a minha pastora! Ela olha para você e o Espírito vai falando com ela o que se passa...

Esse povo é maluco. Foi só o que consegui pensar depois dessa conversa. A jovem, do diálogo acima, estava querendo me fazer ver que essa coisa de “letra” – doutrina bíblica – é um impedimento para o fluir do Espírito Santo. Seu argumento, como podem ver, é que ela podia presenciar milagres diários, e demais manifestações sobrenaturais, enquanto que eu, pobre de mim, ficava apenas com conversações sobre as Escrituras.

Trata-se, claro, de um argumento muito comum, desde sempre. Toda vez que você confrontar algum fanático neo-pentecostal, ou até pentecostais, você irá se deparar com algum desafio do tipo. Ou seja, se você não tem milagres é carta fora do baralho, e não importa se você tem a Bíblia.

O preocupante é que isso fere completamente o principio do ‘sola scriptura’, portanto, quem assim procede pode até se denominar cristão, porém, não cristão evangélico; se bem que o termo evangélico hoje se aplica a qualquer coisa. Por isso talvez seja mais seguro falarmos em ‘cristãos reformados’. O que quero dizer é o seguinte: não sei qual a religião destes malucos, mas, com toda segurança, ela não é a religião que nasceu na Reforma Protestante, da qual dizem, hipocritamente, serem herdeiros.

Quando eu temo, ou me recuso, a questionar uma prática, ou doutrina, com base nas demonstrações de poder de alguém, estou substituindo a autoridade das Escrituras, por algum outro tipo de autoridade. Evidentemente tal prática caracteriza a maioria esmagadora de todos os movimentos sectários ao longo da História da Igreja, com algumas exceções.

Ainda que não fosse profeta, eu conhecia alguns detalhes sobre a vida da jovem que aparece no diálogo, já tendo trabalhado com ela por um bom tempo. De modo que só pude pensar que ela era maluca. Não consegui entender como é que uma pastora tal eficiente em prognósticos ainda não tinha ‘visionado’ que sua pupila passava nas mãos da maioria dos ‘chefes’ da empresa; e nem como ela permitia que a mesma liderasse uma ‘célula’. Estaria a nobre pastora sofrendo alguma interferência em suas ‘anteninhas de vinil’?

Pouco depois do diálogo acima narrado, a jovem voltou a minha mesa e pediu que lhe preparasse um estudo bíblico para ministrar na célula. NOTA: não estranhe, por mais que os fanáticos ‘sobrenaturalistas’ nos desdenhem, sempre voltam pedindo algum favor bíblico, como estudos e esboços... Depois de ‘trocar idéias’ com um presbítero-presbiteriano amigo, não tive dúvidas: preparei um manuscrito, de página e meia, falando sobre o ensino bíblico a respeito de uma sexualidade sadia e enviei para o e-mail da moça.

Algumas horas depois, precisando vir a minha mesa novamente, eu escuto a confissão:

- Marcelo, é tão difícil seguir a verdade, né? Você tocou uns pontos que mexeram comigo...

- Pois é... e olha que nem sou profeta...

No artigo de hoje, quero citar um trecho das Institutas da Religião Cristã, escrita nos dias da Reforma, pelo grande reformador João Calvino. Observem que desde aquele tempo, os inimigos da fé bíblica já nos acusavam de não termos milagres a nosso favor.

Se conhecêssemos nossa própria história, provavelmente não seriamos levados por aquilo que de novo, não tem sequer a aparência: apenas mudou de lugar – é mais um elemento do catolicismo romano no seio daquilo que se diz ‘igreja evangélica’.

Não preciso dizer que nós, cristãos, não negamos o fato de Deus operar milagres, ok?

Com a palavra, João Calvino:

O fato de exigirem de nós milagres, agem de má fé. Ora, não estamos a forjar algum evangelho novo; ao contrário, retemos aquele mesmo à confirmação de cuja verdade servem todos os milagres que outrora operaram assim Cristo como os após- tolos. Acima de nós, eles têm isto de singular, que podem confirmar sua fé mediante constantes milagres até o presente dia! Contudo, o fato é que estão antes a invocar milagres que se prestam a perturbar o espírito doutra sorte inteiramente sereno, a tal ponto são eles ou frívolos e ridículos, ou fúteis e falsos! Todavia, nem mesmo se esses alegados milagres fossem mui prodigiosos, certamente que não seriam contra a verdade de Deus, quando importa que o nome de Deus por toda parte e a todo tempo seja santificado, quer através de portentos, quer mediante a ordem natural das coisas.

Talvez mais deslumbrante poderia ser esse aparente matiz, não fora que a Escritura nos adverte quanto ao legítimo propósito e uso dos milagres. Ora, os sinais que acompanharam a pregação dos apóstolos, no-lo ensina Marcos [16.20], foram operados para sua confirmação. De igual modo, também Lucas narra que o Senhor deu testemunho da palavra de sua graça, quando foram operados sinais e portentos pelas mãos dos apóstolos [At 14.13]. Ao que se torna muito semelhante esta palavra do Apóstolo: Anunciado o evangelho, a salvação foi confirmada, testemunhando juntamente com eles o Senhor, mediante sinais, portentos e muitos atos de poder [Hb2.4; Rm 15.18, 19].

Quando, pois, ouvimos que eles constituem marcas do evangelho, porventura os converteremos em destruição da autoridade do evangelho? Quando ouvimos que foram destinados simplesmente à autenticação da verdade, porventura os acomodaremos à confirmação de mentiras? Portanto, é conveniente examinar e investigar, em primeiro lugar, a doutrina, a qual o evangelista diz ter precedência  sobre os milagres; doutrina que, se for aprovada, só então deve, por fim, de direito, receber  a confirmação dos milagres.

Entretanto, a marca distintiva da boa doutrina, da qual o autor é Cristo, é esta: ela não se inclina a buscar a glória dos homens, mas a de Deus [Jo 7.18; 8.50]. Quando Cristo declara que esta é a comprovação da doutrina, os milagres são visualizados em falsa luz, os quais são levados a outro propósito que não é o de glorificar o nome do Deus único. E convém que tenhamos sempre em mente que Satanás tem seus milagres, os quais, embora sejam falazes prestidigitações, antes que genuínos prodígios, entretanto são de tal natureza, que podem seduzir os desavisados e simplórios [2Ts 2.9, 10]. Mágicos e encantadores sempre se destacaram por seus milagres. A idolatria sempre foi nutrida por milagres de causar pasmo. Contudo, eles não legitimam nossa superstição, nem dos magos, nem dos idólatras.

E com este aríete, os donatistas, outrora, abusavam da simplicidade da população, de que eram poderosos em milagres. Portanto, agora respondemos a nossos adversários, o mesmo que Agostinho respondeu então aos donatistas: o Senhor nos acautelou contra esses milagreiros quando predisse que haveriam de vir falsos profetas, os quais, em virtude de sinais mentirosos e prodígios vários, induziriam os eleitos ao erro, se isso pudesse acontecer [Mt 24.24]. E Paulo advertiu que o reino do Anticristo haverá de vir com todo poder, e sinais, e prodígios enganosos [2Ts 2.9].

Mas, insistem eles, esses milagres não são operados por ídolos, nem por mistificadores, nem por falsos profetas, mas pelos santos. Como se na verdade não soubéssemos que esta é a artimanha de Satanás: transformar-se em anjo de luz [2Co 11.14]. Em tempos idos, os egípcios cultuaram a Jeremias, sepultado em seu meio, com sacrifícios e outras honras divinas. Porventura não estavam abusando do santo profeta de Deus para os fins de sua idolatria? E no entanto com tal veneração de seu sepulcro chegavam ao ponto de pensar que, como justa recompensa disso, eram curados da picada de serpentes! Que diremos, senão que sempre foi esta, e haverá de sempre ser, a mui justa punição de Deus: enviar a eficácia do erro àqueles que não têm recebido o amor da verdade, para que creiam na mentira [2Ts 2.11]?

Portanto, de modo nenhum nos faltam milagres, e esses não são passíveis de dúvida, nem suscetíveis a zombarias. Aqueles, porém, aos quais eles apelam em seu abono, são meros embustes de Satanás, uma vez que desviam o povo do verdadeiro culto de seu Deus para o engano.

2 comentários :

  1. Muito bom, como sempre o "fanatismo" e a idolatria gospel afastam as pessoas da sã doutrina.

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  2. Verdade. Não se trata de rejeitamos a atuação de Deus a nossa volta, isso seria adotar algum tipo de deísmo piedoso, mas sim, de termos apenas a Revelação Bíblica como regra de fé e conduta.

    Paz

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