A Estratégia da Sedução!

A Estratégia da Sedução

(Jeremias 20.7-13)


Por Rev. Carlos Eduardo Brandao Calvani

Igreja Episcopal Anglicana do Brasil

Num dos textos mais conhecidos de Jeremias, ele dialoga com Deus, afirmando que não queria ser profeta nem envolver-se com a vida religiosa. E ele também revela a estratégia, o método usado por Deus para conquistá-lo: a estratégia da sedução, a estratégia de cativar: “Senhor, tu me seduziste e eu me deixei seduzir”. Ou em outra tradução: “Senhor, tu me cativaste e eu me deixei cativar”. Essa atitude é completamente diferente das que ouvimos acima. Deus não apareceu a Jeremias com ameaças nem com promessas de uma recompensa futura. Não apareceu com violência, mas veio com suavidade, em aproximação gradativa, com encanto, com sedução.
Muitos de nós conhecemos a estória do Pequeno Príncipe, um clássico de Saint-Exupéry para o público infanto-juvenil. Em um dos capítulos, o principezinho encanta-se com a beleza de uma raposinha e lhe diz: “venha aqui brincar comigo”. Mas a raposinha responde: “Eu não posso... eu não fui cativada ainda...”. O príncipe lhe pergunta o que significa cativar, e a raposa responde: “Cativar é criar laços. Você não é para mim nada mais que um menino entre outra centena de meninos. E para você, eu sou apenas uma raposa, como outras tantas raposas. Mas se você me cativar, nós sentiremos falta um do outro. Você será para mim o único no mundo e eu seria para você a única no mundo”.

E quando ele pergunta a ela “E o que é necessário fazer para cativar alguém? O que eu devo fazer para lhe cativar?”  A raposinha responde: “Você deve ser paciente. Primeiro, você deve sentar-se um pouco afastado de mim, na relva. Então eu o olharei com o canto do olho e você não me dirá nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas a cada dia, você se sentará mais próximo de mim...”

E foi o que aconteceu. Dia após dia, o pequeno príncipe sentava-se mais perto da raposinha. Ele a cativou e ela o cativou. Mas quando ele teve que partir, ela disse: “Ah, eu vou chorar... mas ainda assim serei feliz por causa da cor do trigo... quando eu olhar o trigo, eu me lembrarei de seus cabelos. Para enxergar bem, nós devemos enxergar com o coração, porque o essencial é invisível aos olhos”.

A partir de então, os feixes de trigo tornaram-se para a raposinha, um “sacramento” - sinal visível de uma presença invisível, de alguém que havia estado ali, que a cativara, que se sentara perto dela, que com ela brincara, caminhara, rira e a fizera feliz.

Nessa pequena estória há muitas referências aplicáveis à missiologia e ao poder sacramental da Igreja e da liturgia. Mas não temos tempo de comentá-las. Gostaria apenas de frisar que cativar alguém é um ato mágico. E é assim que Jeremias descreve a ação de Deus. Ele o cativou, o seduziu. E ao agir assim, revelou-se não como um Deus colérico, cheio de ira, mas como um Deus cuja marca central é o amor, a gratuidade, o encanto.

Um modelo de missão que pode bem nos guiar é esse: perceber que o Evangelho nos cativa através de palavras e símbolos. Nossa Igreja tem essa capacidade de cativar muita gente através da liturgia - e muitas pessoas, de fato, têm-se tornado anglicanas cativadas principalmente pela liturgia, música e sacramentos. Especialmente a Eucaristia que repetimos todos os domingos.

Pão e vinho são para nós como os feixes de trigo para a raposinha. Eles são elementos que atualizam a presença de alguém. Cada domingo quando nos oferecemos no altar, quando os elementos são consagrados, nós recordamos daquele que caminhou com as pessoas, que as recebeu, que as acolheu, que as cativou, que as serviu. E aquele que, um dia, sentou-se com elas e fez aquilo que nós repetimos a cada celebração eucarística: tomou o pão, deu graças, o partiu e o distribuiu, dizendo: ‘este é o meu corpo’. E também compartilhou o cálice de vinho, dizendo: ‘Bebei dele todos; isto é meu sangue, dado por vocês”.

Isso nos leva a compreender melhor o que significa a palavra “missão”. Não é convencer alguém a respeito de certas doutrinas. Mais do que isso, é cativar as pessoas, compartilhar com elas a nossa própria vida, tal como Cristo fez (e faz) conosco. Foi o que aconteceu entre o pequeno príncipe e a raposinha - ambos compartilharam seu tempo um com o outro. E isso exige paciência. Nós aprendemos no catecismo que este é o modo como Deus trata a humanidade, com paciência. Por isso repetimos na Oração eucarística: “porém nos chamaste de volta repetidas vezes” (Oração A, pg. 82) e “inúmeras vezes nos chamaste para viver em aliança contigo” (Oração B, pg. 87)

Evangelização e missão têm necessariamente que passar por essa via: aproximação constante, mas gradativa, tal como o principezinho aprendeu. E esse movimento não pode ser motivado apenas pela busca de resultados dos quais possamos nos orgulhar, como a conversão de outra pessoa às nossas crenças e convicções. O principal objetivo da aproximação é servir, compartilhar Cristo e contribuir para que a vida de nosso próximo seja mais livre, feliz, realizada e completa.

Há uma canção de Chico Buarque e Vinícius de Moraes, intitulada “Valsinha”, que fala de uma certa mulher que redescobre a beleza escondida e sufocada pelo peso da vida cotidiana. Ela redescobre isso a partir da aproximação de um personagem que a convida a dançar, com liberdade em uma praça:

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar

Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar

E nem maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar

E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Quando os cristãos aprenderem que a missão deve ser conduzida de modo diferente, sem maldizer a vida tanto quanto é nosso jeito de sempre falar... quando passarmos a convidar as pessoas para dançar, celebrar, para viver momentos de beleza, então a fé cristã se tornará muito mais relevante. A música prossegue dizendo:

E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar

Com seu vestido decotado, cheirando a guardado de tanto esperar

Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar

E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar

Quando a missão começar a acontecer em outra perspectiva, com encanto e ternura, haverá mais abraços e a saudação da paz será realmente sinal de reconciliação entre Deus e entre nós, sinal de restauração das relações rompidas, sinal de graça nas ruas e praças. E nós temos urgência disso, principalmente em nosso mundo, tão marcado pela violência e a perda da sensibilidade. O último verso da canção, conclui:

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou

E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou

E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais

Que o mundo compreendeu e o dia amanheceu em paz

Sem dúvida, quando a vida é temperada com ternura, arte, música, poesia e alegria, todas as coisas podem ser iluminadas e transfiguradas.

Eu espero que o texto de Jeremias nos ensine a compreender a missão e a evangelização numa nova perspectiva, mais aberta e mais inclusiva. Uma estratégia que opte pelo abraço, o encanto, a poesia, o despertar da sensibilidade, do carinho e da acolhida. Esse é meu sonho e meu ardente desejo. E eu espero que a graça de Deus me auxilie a cativá-los para que vocês compartilhem esse sonho comigo.

Para que o mundo creia...e o mundo amanheça em paz.

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