Palhaço…

P a l h a ç o...


palhaço


Marcelo Lemos

“Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, como que há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens” – Mateus 5.13.

Certa feita, já há muito tempo, não recordo onde, de esquecido que sou, li a história de um interessante palhaço. Palhaço mesmo, no duro, denotativo, de cara em pó e nariz vermelho. Não que eu goste, não é o caso; de palhaço pouco entendo, (apesar do R.G. não me deixar negar a condição de ‘mucamo’ de Brasília). Porém, voltando ao palhaço, este muito me agradou; melhor, me permitiu compreender algo a mais sobre a falta de relevância que dizima o testemunho da religião evangélica no nosso país.


Ao revés da admiração ou do entusiasmo, o que geralmente nos seqüestra a alma no evangelicalismo tupiniquim, a vista do Dédalo sombrio por onde transita, diria eu, a la Euclides, é antes um desapontamento. Desapontamento este que, apesar de uno, subsiste em inúmeras hipostasis: é o desapontamento da alma genebrina, centenária, que se depara com o enaltecer do humanismo soteriológico em nosso tempo; é o desapontamento do coração wesleyano, a constante chama, violentado pelos sonhos megalomaníacos de papas e madres da Santa Sé Og Mandino. Igualmente, é sem dúvida, o desapontamento, inclusive, dos herdeiros de Azuza, impotentes a contemplarem, saudosos, seu fervor carismático sendo varrido em tsunamis sucessivas por uma moderna forma de baixo espiritismo, um sincretismo insano do qual até Constantino sentiria inveja.

Chego a sentir pena do palhaço. Triste fim o seu: metáfora que denuncia a religiosidade quase falida de nossa gente. Quase falida? Ora, tenhamos um pouco de fé! Mas, e o Palhaço, que tem haver? Literatura ilustre, Mário Quitanda, poeta gaúcho, sentenciou: “Quando alguém pergunta a um escritor o que ele quis dizer, é porque um dos dois é burro”. No nosso caso, sendo o escritor e o interrogante o mesmo, assumimos a culpa e passamos a contar, em tempo ainda, a história do tal Palhaço e sua relação com o nosso tema.

Pessoal, era uma vez, em algum recanto da Europa, um circo pequeno - daqueles que se instalam em cidades igualmente pequenas, ruas de pedras, casas tijolinho e ar medieval. Pelos tijolinhos a história parece ter se dado na Alemanha; terra de Karl Barth, o profeta. Nesse tempo, de era uma vez, circo representava diversão garantida, não sei se pela falta de opções ou porque, provavelmente, uma cara pintada soltando fogo pelas ventas seria, naqueles dias, espetáculo tão arrebatador quando Circo de Solei é hoje. Seja como for, o que nos importa é que o circo da nossa história era muito famoso naquelas terras.

Famoso era também o Palhaço. Ele é mais famoso que o próprio circo, lhes diria algum fã exaltado. Mais famoso ele não pode ser, pois sem circo não existe palhaço, era a opinião que, em dias tão conturbados e de SS, preferindo não entrar em contendas desnecessárias, o joalheiro Benjamim guardava para si. Contudo, ninguém na cidade poderia negar que o homem era uma figura admirável.

Imaginem os senhores que o tal Palhaço era doutor em publicidade e, além disso, garoto propaganda. E dos bons. Num tempo onde o audiovisual era sonho de vernistas, o Palhaço da nossa história reinava como Rei, verdadeira celebridade do marketing de eficiência. Acontece que todos os domingos, dia sagrado da apresentação circense, o Palhaço ia ao centro da pequena cidade convidar os moradores para o espetáculo da noite. Não era mero convite, estejam certos, era um show de abertura, um espetáculo solo; a antecipação do gozo que aguardava a todos no circo.

Era uma palhaçada só.

O Palhaço, aparatado e disposto, se virava do avesso para ganhar o riso da multidão. Não que muito necessitasse para tanto, pois só o Palhaço já lhes servia de motivo para o riso solto; não obstante, senhores, profissional que era, apesar de palhaço, nosso artista dava o melhor de si. Entre as caretas, travessuras, imitações e piruetas, ele dava um jeito de encaixar um corinho infantil, no qual a multidão o acompanhava, respondendo;

Tem Marmelada? Teeeeeeeeeem! Tem Goiabada? Teeeeeeeeeem! E o Palhaço, o que é? É ladrão de muiêêêê!

Alegria tal, apesar de fugidia, que os entusiastas diziam ser capaz de incendiar até os “mis ojos tristes” de Camões. Coisa de se duvidar, mas passível da nossa compreensão. Conheçam os senhores que em tempos de pão e circo, (tempos eternos estes!), um palhaço é messias. De modo que, apesar da ofensa a lusitana letra, seremos por um segundo cúmplices deste sentimento.

Não que a Musa demore vingar seu Poeta. De fato, não demorou. Naquele domingo, no qual a tragédia lhe alcançaria, o Palhaço fez tudo como sempre fizera. Despertou junto com o sol, ainda timidamente invadindo os aposentos da noite fria, e preparou-se para mais um dia de glória. E de espetáculo.

Lá pelas tantas, já tardezinha, o Palhaço, que se preparava para ir a cidade fazer o costumeiro convite, já havia vestido o figurino. Aquele, entretanto, não seria um domingo como tantos outros. Desabou-se. O pior pesadelo de um circo os estava destruindo. Um incêndio. Foi a debandada geral. Debalde, eles e os demais artistas e empregados do circo, apavorados, engatilhavam mangueiras e equilibravam bacias cheias d’água, quando alguém teve a idéia salvadora: mandem o palhaço à cidade em busca de ajuda!

Foi uma palhaçada só na cidade!

Foi uma palhaçada só; e um desespero impotente para o palhaço. Afinal, admitamos, meus amigos – quem dará credito a um palhaço? Quanto mais grita e implora o desventurado artista, mais a platéia aplaude. E quanto mais o seu desespero aumenta, mais sua aparência é cômica, e mais gargalhadas desperta! Assombrado pela memória das chamas a consumir o trabalho de uma vida, o impotente palhaço, travestido naqueles instantes de arauto e atalaia, lembrou-se de uma advertência da mãe: “Quando um palhaço fala sério, quem a sério o tomará?”.

Mas, repito, que tem haver o palhaço com a religiosidade evangélica brasileira? Um texto publicado recentemente no excelente blog do pastor Ciro [‘Blog do Ciro’] talvez nos ajude a contextualizar melhor a mensagem desta parábola:
O nome do jogo, ontem, foi Obina, que viveu um dia de Fenômeno, marcando três gols. O primeiro foi de cabeça. O segundo, de pênalti. E o último, o que mais chamou a atenção. Como Zaqueu, o jogador palmeirense subiu o mais alto que pôde para tocar de cabeça para o seu companheiro, que o deixou à frente do gol para decretar o placar final. Corinthians, de Ronaldo, 0. Palmeiras, de Obina, 3.

Para muitos, o que aconteceu em Presidente Prudente foi um verdadeiro milagre. Um jogador que até pouco tempo estava obeso e jogando muito mal no Flamengo (não fazia um gol havia seis meses!), sendo ridicularizado pela imprensa, surgiu magro, jogando bem pelo Palmeiras, fazendo três gols e sendo enaltecido pela crítica esportiva! Ele teria tudo para cantar: “A minha vitória hoje tem sabor de mel”, mas estava com outro hit na cabeça.

Todos os domingos, no programa Fantástico, o criativo apresentador Tadeu Schmidt presenteia o jogador que faz três ou mais gols com uma música. Que canção Obina pediu, ao ser entrevistado por um repórter da Rede Globo? “Eu queria ouvir uma música que a minha filha canta, que diz ‘Entra na minha casa, entra na minha vida’ — respondeu. Como ele não escolheu em que estilo gostaria de ouvir o sucesso “evangélico” do momento, a música foi tocada em pagode.

Grande conquista para os evangélicos, não é mesmo? Depois de o mencionado hit ter sido gravado em vários estilos — inclusive pelo grupo Forró do Muído —, tocado em bailes e shows mundanos, bem como cantado, efusivamente, na Parada Gay, em São Paulo, agora é divulgado no programa dominical de maior audiência no Brasil! Creio que os fãs de Zaqueu estão maravilhados com mais esse grandioso feito, exceto os corinthianos...

O incrível é que, de fato, muita gente anda se ‘alegrando’ com tal ‘sucesso’ do mercado ‘gospel’. A Igreja, ou aquilo que se diz Igreja, tem se tornado a diversão insípida (Mateus 5.13) dos pecadores, inimigos de Deus, e chamados de “filhos da ira” pelas Escrituras (Efésios 2.3), e ainda assim, ninguém parece se dar conta que algo de errado está acontecendo...

Com efeito, o mundo que se auto-intitula ‘evangélico’ a muito virou a diversão do mundo. Seja por promover ‘pão e circo’ com sabor religioso, e de auto-ajuda; seja por demonstrar quão patética é a pregação legalista dessa gente, principalmente quando contrastada com o testemunho de vida da grande massa que diz professar a fé cristã.

Quando eu era garoto, existiam desvantagens em ser evangélico. Na escola, por exemplo, eu tinha o apelido de “aleluia”, não apenas por ser cristão, mas também por morar numa rua que se chamava “Rua da Assembléia”, em homenagem a sua construção mais antiga. Porém, todos nos levavam a sério. Fazer negócio com meus pais, e amigos mais velhos, era quase garantia de segurança, pois confessamos ser discípulos de Cristo. E olha que nem sou tão antigo assim...

Hoje, todavia, o cenário mudou. Caso você se arrisque apresentar-se como “evangélico”, pode ser necessário acrescentar o adjetivo “honesto”; pois os dois termos têm andado muito longe um do outro – principalmente quando olhamos para os grandes escalões eclesiásticos. Pessoalmente nunca me apresento como evangélico, apesar de admitir não haver nada de errado com o termo em si; prefiro me apresentar como “cristão”, ou “reformado”, e ainda como “protestante”. Quando faço isso, sou normalmente interpelado com a seguinte questão: Que bicho é isso?

A multidão [supostamente] evangélica vai continuar crescendo, embalada por canções abomináveis como o hit ‘Zaquel’, e outras imbecilidades teológicas travestidas de ‘adoração’. O fenômeno continuará crescendo, pois o povão gosta de circo. Não há nenhum milagre, ou avivamento, no crescimento número da galera gospel. Trata-se de algo absolutamente natural – os lobos oferecem diversão, e os bodes, convencidos que são ovelhas, caem feito patinhos.

Quando tal crescimento será detido? Algum dia, provavelmente quando o número de feridos e roubados ultrapassar o número daqueles que desejam se lançar nos braços dos vendedores de ilusões. Enquanto isso não acontece, o verdadeiro cristão se sente como um... palhaço! Não importa o quanto gritamos e berramos o verdadeiro evangelho, a seriedade do pecado, e realidade do juízo vindouro; a luz de tudo que os professos cristãos andam fazendo, somos apenas... palhaços.

Que grandes palhaços somos, meus amigos! Falo a você, cristão renascido! Que grande palhaço é você! É assim que me sinto toda vez que, ao pregar o Evangelho, ouço me dizerem: “Sabia que o cara da outra repartição também vai a Igreja?”. “E que tem isso?” – eu pergunto, já imaginando a resposta... “Bem, de que adianta ir na Igreja se o camarada...”.

Ou então: “Marcelo, ontem eu senti tanto a presença de Deus quando todo o estádio cantava Zaquel... Senti o Espírito Santo se movendo em mim, sabe?”. “Que bom... você tem ido a Igreja?” - não sei porque ainda pergunto! “Hum... não... aos domingos eu o Carlinhos fazemos um programinha mais intimista. Mas, ó, se na sua Igreja for ter alguma coisa especial não esquece de convidar agente, tá?”.

Em momentos assim, não consigo evitar a advertência de Spurgeon: às vezes, pensamos estar alimentando ovelhas, quando na verdade, estamos apenas divertindo os bodes. Que Deus tenha piedade da Igreja brasileira.

Paz e bem...

10 comentários :

  1. Marcelo,

    Resolvi criar um blog colaborativo para blogueiros que são reformados na doutrina e renovados na liturgia.

    A intenção é congregar posts-chamadas para os blogs dos participantes.

    Você é meu primeiro convidado.

    O endereço é http://palavra-poder.blogspot.com

    Clóvis

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  2. Excelente tópico!!!

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  3. Obrigado irmão Diego. Grato pela visita.

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  4. Nossa, quanta honra, irmão Clóvis. Quando começei este projeto não podia imaginar o alcançe da blogosfeta, pelo menos, não no meio evangélico! Ser convidado pelo irmão é, sinceramente, uma grande honra. Aliás, o 'Olhar Reformado' em menos de 4 meses atingiu a marca de 11.000 visitas. Não sei se é 'muito' ou 'pouco', caso se compare com outros blogs cristãos, mas sei que eu não imaginava que isso era possível.

    Só tenho o que a agradecer, primeiramente a Deus, em quem existimos e nos movemos, e a todos os irmãos que tem demonstrado apoio e carinho por este projeto.

    Paz e bem.

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  5. Amado irmão Marcelo,
    gostei tanto do texto acima que tomei a liberdade de
    manda-lo para o grupo de debates do qual participo,
    Batistas tradicionais.
    DEUS o abençoe, um forte abraço.
    Auli Jr.

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  6. Paz, irmão Auli. Fico feliz em saber disso. Sinta-se a vontade para utilizar o material deste blog.

    Paz e bem.

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  7. Deprimente - acertou em cheio na descrição; principalmente para mim que sou assembleiano.

    Paz

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  8. cada dia que passa mais me identifico com a fé protestante reformada de fato...hj gospel, evangélico se tornou moda....temos de ser diferentes, e não iguais aos incrédulos

    SOLA FIDE

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  9. Olá, irmão Vinicius, paz e bem!

    Obrigado por sua visita, e por sua referencia. Estarei conhecendo seu blog ainda hoje.

    Paz

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