O Sacramento da Eucaristia

Neste breve artigo, provavelmente escrito em 1550, vemos uma exposição clara e resumida da posição Reformada sobre a natureza do Sacramento da Eucarística. Se por um lado os Reformadores não tinham como dogma de fé o ensino romano sobre a transubstanciação, por outro, também não o tinham apenas como um simples memorial (algo cada dia mais popular em nosso tempo...). Aos poucos, estaremos acrescentando mais artigos sobre Liturgia Reformada em nosso blog. Espero que esta iniciativa possa abençoar sua vida e ministério - Marcelo Lemos, editor.


Sobre a Ceia do Senhor...

Jonh Knox

AQUI se declara brevemente, em resumo, de acordo com as Escrituras, a opinião que nós cristãos temos sobre a Ceia do Senhor, chamada de ‘O Sacramento do Corpo e do Sangue de Nosso Salvador Jesus Cristo’.

Primeiro, confessamos que é um ato santo, ordenado por Deus, no qual o Senhor Jesus, por meio de coisas terrenas e visíveis colocadas diante de nós, nos eleva até as coisas celestiais e invisíveis. E que quanto preparou Seu banquete espiritual, testificou que Ele mesmo era o pão vivo, com o que nossas almas teriam que ser alimentadas para a Vida Eterna.

Portanto, ao dispor pão e vinho para comer e beber, nos confirma e sela Sua promessa e comunhão, (isto é, que seremos participantes com Ele em Seu Reino); e representa para nós, e desnuda aos nossos sentidos, Seus dons celetiais; e também nos dá a Si mesmo, para ser recebido por fé, e não com a boca, ou mesmo por transfusão de substância. Mas, mediante o poder do Espírito Santo, nós, sendo alimentados com Sua carne e renovados com Seu sangue, sejamos renovados à veradeira piedade e imortalidade.

Confessamos ainda que aqui o Senhor Jesus nos congrega em um Corpo Visível, de modo que sejamos membros um do outro, e constituamos junto um mesmo Corpo, cuja única Cabeça é Jesus Cristo. Finalmente, cremos que por este mesmo Sacramento, o Senor nos chama a recordar sua morte e paixão, para avivar nossos corações o louvor a seus Santíssimo nome.

Ainda mais: reconhecemos que deste Sacramento devemos nos aproximar com reverência, considerando que ali existe e se dá testemunho da maravilhosa união e comunhão do Senhor Jesus com aqueles que o recebem; e também, que ali, neste Sacramento, está incluído a garantia de que Ele preservará Sua Igreja. Sim, pois aqui nos é ordenado que anunciemos a morte do Senhor até que Ele venha!


Cremos também se tratar de uma Confissão, por meio da qual manifestamos que tipo de doutrina professamos; e a qual congregação nos juntamos; e de igual modo, que é um vínculo de amor reciproco entre nós. Por fim, cremos que todos os que se aproximam desta Santa Ceia devem trazer consigo sua conversão ao Senhor, mediante sincerro arrependimento e fé; e neste Sacramento recebe então o selo da confirmação de sua fé; todavia não se deve jamais pensar que seus pecados sejam perdoados pelo mérito de se participar do Sacramento.


E, a respeito aquelas palavras, “Hoc est corpus meum”, “este é o meu corpo”, das quais dependem tanto os papistas, dizendo que é necessário crer que o pão e o vinho são transubstãnciados em corpo e sangue de Cristo; afirmamos que isto não é um artigo de fé que nos possa salvar, nem que estejamos obrigados a nele crer sob pena de condenação eterna. Pois, se cremos que seu corpo natural, carne e sangue, estão naturalmente no pão e no vinho, isto não nos salvaria, tendo em vista que muitos assim acreditam e, no entanto, o recebem para sua própria condenação [I Cor. 11.1]. Porque não é sua presença no pão que tem poder de nos salvar, mas sua presença em nossos corações mediante a fé em seu sangue, o qual nos tem lavado de nossos pecados e aplacado a ira de seu Pai contra nós. E, uma vez mais, se não cremos em sua presença corporal no pão e nov vinho, isso não nos condenará,mas seriamos condenaos por sua ausência de nossos corações por causa da incredulidade.


É possível que alguém objete do seguinte modo: ainda que a ausência corporal de Cristo no pão e no vinho não seja capaz de nos condenar, ainda assim estamos obrigados a crer nisto, pois a Palavra de Deus diz: “Este é meu corpo” e, então, aquele que isto nega é um mentiroso e faz Deus também mentiroso - tal incredulidade leva a condenação. Nossa resposta é assim: cremos na Palavra de Deus, e confessamos que é ela é verdadeira, porém que ela não precisar ser compreendida do modo grosseiro dos romanistas. Porque no Sacramento recebemos a Jesus Cristo espiritualmente, como o afirmam os pais do Antigo Testamento, e conforme diz S. Paulo (I Cor. 10.3-4). Se as pessoas ponderaram bem a forma como Cristo, ao ordenar este Santo Sacramento de Seu corpo e Seu Sangue, falou aquelas palavras, sem dúvida alguma jamais as interpretariam de modo tão grosseiro e tolo, contrariando todo o contexto das Escritura e a exposição de Santo Agostinho, São Jerônimo, Fulgêncio, Vigilio, Origenos e muitos outros escritores piedosos.

8 comentários :

  1. Profundo e, ao mesmo tempo, fácil de se entender. Aliás, com a iluminação do Espírito Santo vem o perfeito entendimento das Sagradas Escrituras, conforme o próprio Senhor Jesus afirmou: "Ele vos ensinará TODAS as coisas e vos fará lembrar de TUDO o que vos tenho dito(Jo. 26)". E isso, independentemente de qualquer "doutor' ou "ungido", ou sistema teológico "infalível" e dono da verdade.

    Contudo, contém um certo "ranço" de catolicismo, o fato de chamar a Ceia do Senhor de "sacramento". De acordo com a terminologia católico-romana e de sua dogmática e "Lei dos Direitos Canônicos", o termo "sacramento" refere-se a um ato que produz a graça de Deus "EX-OPERE OPERATO", ou seja: por si só produz e opera a graça de Deus! Ora, isso é heresia e anti-bíblico ao extremo!!! Por sinal, é em razão de tais "sacramentos" que se sacralizaram o BATISMO (com caráter regenerativo por si só); o CASAMENTO; o CRISMA (confirmação do batismo) e os demais. E, em virtude de tais heresias, criaram o BATISMO INFANTIL, como regenerativo; e a única possibilidade de alguém deixar de ser "pagão" e tornar-se cristão. Isso tudo, INDEPENDENTEMENTE da vontade ou escolha do bebê na pia batismal. Os pais se tornavam responsáveis por tal escolha, algo totalmente anti-bíblico!

    A Bíblia porém, não deixa margens para essas heresias. O homem é justificado pela sua fé pessoal no sacrifício de Cristo Jesus e seu sangue derramado na cruz. Essa salvação é PESSOAL, PARTICULAR E INTRANSFERÍVEL! Ninguém pode tomar essa decisão por outrem! O batismo é a pública profissão dessa fé, não tendo caráter salvífico e nem regenerativo por si só, não sendo, portanto, um "SACRAMENTO". E o mesmo se aplica à Ceia do Senhor. Ela é um MEMORIAL, no qual os elementos são REPRESENTATIVOS e não "sacramentais".

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  2. Sérgio, há muito valor no subsídio teológico que você nos apresenta, e eu concordo quase completamente com ele; exceto quando você pretende que a Eucaristia seja apenas um "memorial". A Eucaristia, assim como a oração, a confissão, o batismo, etc, são "meios da graça". Isso não quer dizer que ela nos salve, mas sim, se trata de um meio usado por Deus para edificar a nossa fé e comunhão n'Ele, o Cristo.
    Paz e bem

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  3. Pastor, ja a algum tempo tenho ficado pensativo em relaçao a ceia. Acho que as palavras de Jesus sao fortes demais para se interpretar meramente como um "memorial". Nao entendo muito dessa parte da teologia, porem acho que deve ta mais perto dessa interpretaçao do que do memorial. Alias mesmo que isso possa ser um "pedido de chicotada" pra mim, mas... nao entendo muito, como ja disse, mas ate a transubstanciaçao é pra mim mais solida do que um simples memorial. So uma opiniao hehehe. To tentando pensar nas coisas ao inves de aceitar simplesmente uma tradiçao eclesiastica. mas é isso ai.
    Parabens mais uma vez pastor.
    AH pastor, assim, sei q o senhor ta com falta de tempo e tudo, mas to com saudade de umas analises teologicas mais profundas aki. Vlw, na paz amigo!

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  4. Caro Vinícios, sua participação sempre enriquece este blog, e não é diferente desta vez. Do ponto de vista exegético até a transubstanciação é mais sólida do que o "memorial"? Concordo contigo. No entanto, ela não é a forma mais apropriada de se interpretar as palavras do Mestre, e aprendemos isso conhecendo o pensamento de nossos irmãos Reformadores, e também os pais da Tradição Cristã. Aliás, é justamente por isso que acrescentamos mais uma seção de links neste blog, a qual tratará especificamente da Liturgia Reformada. De certo modo, os evangélicos de nosso tempo tendem a pensam que inventaram o Cristianismo, e isso não é verdade. Nossa fé é Histórica, e já conta com um legado de mais de 2000 anos. Como Reformados e Reformadores, nossa missão não é reinventar a roda, mas simplesmente nos livrar daquilo que ofusca a mensagem do Evangelho.

    Quando aos seu pedido por textos teológicamente mais densos, realmente trata-se de uma falha nossa. Já tenho alguns esboços em andamento, mas o tempo não tem me ajudado muito. De qualquer forma, é algo que preciso voltar a priorizar.

    Grato pela participação; paz e bem!

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  5. Oi Marcelo, obrigado pela resposta! Acontece, porém, que o termo "memorial" talvez não seja o mais apropriado, mas está de acordo coma as palavras do próprio Jesus: "fazei isto EM MEMÓRIA de mim, pois TODAS AS VEZES que comerdes o pão e beberdes o cálice ANUNCIAIS a morte do Senhor até que venha (I Co. 11:26)". Mas não se trata de um "memorial" qualquer, pois os elementos são REPRESENTATIVOS (semelhante à bandeira nacional que, embora feito de pano, representa a nação brasileira e a pátria); e, quem deles fizer uso de modo indigno É CULPADO da morte do Senhor (I Co. 11:27-29). Mas não é um SACRAMENTO (ou seja: que POR SI SÓ possa produzir a graça de Deus), mas concordo que fazem parte da graça de Deus para a nossa comunhão e confirmação da nossa fé. Lembre-se do significado dogmático do termo SACRAMENTO: um ato que, POR SI SÓ, produz a graça de Deus, independentemente da fé no sacrifício vicário de Cristo! Portanto, nem a Ceia do Senhor, nem o batismo e nem qualquer outro ritual religioso pode ser, à luz da Bíblia, considerado um "sacramento".

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  6. Sérgio, evidentemente que sob o prisma que você coloca o termo há um erro gravíssimo, capaz de ofuscar a mensagemo do Evangelho, pois se suporia a não necessidade da fé pessoal na Expiação. Neste caso eu concordo. No entanto, isso não é motivo para vermos a Eucaristia apenas como um Memorial. Observe sobre isto que não estou dizendo que não se trata de um memorial, mas sim que seja mais do que isso: trata-se também de um dos meios da Graça. Portanto, é também um Sacramento.

    Contudo, mesmo no Catecismo da Igreja Católica Romana é dito que os Sacramentos "supõem a presença da fé". Isso me faz questionar se o irmão não está sendo muito radical em sua condenação absoluta do termo. Veja, mesmo que eles o definam de forma herege, nós ainda temos o uso Reformado do termo; e, além disso, aponto esta possibilidade, ou seja, de o irmão não estar vendo todo o quadro da doutrina Romana. Para ilustrar o que estou tentando dizer faço algumas citações:

    Segundo o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, "os sacramentos são sinais eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja, mediante os quais nos é concedida a vida divina"(n. 224). "Os sacramentos não apenas supõem a fé, como também, através das palavras e elementos rituais, a alimentam, fortificam e exprimem. Ao celebrá-los, a Igreja confessa a fé apostólica. Daí o adágio antigo: «lex orandi, lex credendi», isto é, a Igreja crê no que reza" (n. 228)

    Se pode observar, segundo entendo, que o Catecismo está justamente negando a sua afirmação de que os Sacramentos tornam a fé pessoal do 'cristão' desnecessária.

    Além disso, até onde entendo de termos litúrgicos, a expressão latina "Ex opere operato" se refere especialmente ao Dogma da Transubstanciação, e quer dizer que a realidade do milagre que ali ocorre (segundo os Romanos) não depende da fé do celebrante ou do comungante. Ou seja, caso o Padre pense ao celebrar a Missa: "Será que isso aqui realmente virou corpo de Cristo"; tal dúvida não alteraria a realidade do milagre.

    Citando o site do Vaticano: "Os sacramentos são eficazes ex opere operato («pelo próprio facto de a acção sacramental ser realizada»), porque é Cristo que neles age e comunica a graça que significam, independentemente da santidade pessoal do ministro, ainda que os frutos dos sacramentos dependam também das disposições de quem os recebe".

    Frise-se: "os frutos dos sacramentos dependam também das disposições de quem os recebem". Pra mim isso significa que a fé pessoal de quem recebe o Sacramento não é dispensável para se operar a Graça; apesar de se poder dizer que seja desnecessária para o milagre da "presença real". São duas coisas distintas.

    Paz e bem

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  7. Ok Marcelo! Como se costuma dizer: nem tanto ao sol, nem tanto à sombra, não é mesmo? Fiquemos pois no meio termo e aceitemos a definição reformada de "sacramento". Mesmo porque, independentemente das definições teológicas, o justo vive pela fé no sacrifício redentor de Cristo. Ainda que não entenda nada das complexidades da Teologia, nem mesmo do conceito da Trindade (aliás, ninguém conhece 100%...) ou de quaisquer outras definições conciliares. Um abraço!

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  8. Um abraço, irmão Sérgio. E fico feliz com a forma equilibrada e educada como o irmão apresentou seus argumentos. Da minha parte, vale lembrar que eu não sou um especialista em Liturgia Católica Romana, e ainda estou engatinhando na Liturgia Reformada - já que o anglicanismo é novo em minha experiência teológica. De modo que todo auxilio, correção e subsídio que o irmão, e outros leitores, puder apresentar, será de grande valor para o enriquecimento deste blog.

    Paz e bem

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