Cuidado com o Anglicanismo!


Por Marcelo Lemos

Um leitor nos escreve zeloso: “Cuidado! Anglicanismo é Catolicismo disfarçado!”. Seu alerta foi motivado, aparentemente, pelo artigo no qual respondemos sobre o músico cristão e a música secular. O leitor cita expressão paulina, “tudo me é lícito, mas nem tudo me convém”, concluindo que um cristão verdadeiro não pode ter contato com a música não cristã. Precisamos de apenas uma linha para demonstrar a fragilidade da objeção, pois a expressão paulina convida-nos a uma auto-regulamentação, sem impor regras do tipo ‘pode-não-pode’ sobre a arte musical.
Também lhe motiva o fato de que este blogueiro não faz a menor questão de esconder seu apreço pela tradição teológica e litúrgica da Igreja da Inglaterra (anglicanismo); apesar de, no momento, ainda não estar ligado a nenhuma igreja que siga a referida tradição.

Ainda sobre a questão musical, tenho algo a dizer quanto à legalidade na vida cristã, nosso Único Legislador é Deus, que resumiu o seu padrão de moral em Dez Mandamentos. Exceto, talvez, pelos mandamentos cerimoniais da Antiga Aliança, todos os mandamentos e preceitos morais dos Antigo e Novo Testamento são naturalmente deduzidos do Decálogo. Esse posicionamento não é licenciosidade, antes, é ter Deus como Único Legislador. Recomendo a leitura de nossa seção sobre Teonomia.

Sobre o conselho contra o Anglicanismo ele é mais que compreensível, dado o alto grau de ignorância do povo brasileiro, do qual nem mesmo os cristãos escapam. Não bastasse nós, reformados, precisarmos conviver com apologistas anti-católicos que sequer conhecem a Doutrina Católica, também precisamos aturar aqueles que não conhecem a nossa própria tradição evangélica.

Uma questão que se impõe: como eu posso questionar a tradição do meu vizinho, se não conheço a minha própria tradição?

Para começo de conversa, é preciso observar que a objeção contra o Anglicanismo está incrivelmente mal formulada, já que não apresenta qualquer tentativa de definição sobre o significado do termo “católico”. Ora, levando em consideração que até mesmo o Concílio Vaticano II – validando até certo ponto a teologia protestante - já não entende mais “católico” como sendo exclusivamente a denominação romana, precisamos buscar uma compreensão teológica mais apropriada.

Sobre a teologia do Concilio Vaticano II referente à eclesiologia, favor conferir Lumen Gentium 8; Dignitatis Humanae 1;Unitatis Redintegratio 3. Resumidamente, o Concílio definiu que a Igreja de Cristo “subsiste” na Igreja Romana, bem como também subsiste “pelo dom de Deus" em "múltiplos elementos de santificação e de verdade" que estão nas diversas tradições cristãs, fora da Igreja de Roma.

Conhecer a tradição evangélica revela-se de grande valor aqui: nós, protestantes reformados, sempre apelamos para o sentido etimológico do termo “católico”, que significa “universal”, tomando-o como uma referencia a Igreja de Cristo espalhada por todo o mundo, em todos os tempos, e independentemente de qualquer barreira humana, exceto por aquelas impostas pelos Credos Históricos.

Ser “católico”, portanto, não é fazer parte da Igreja de Roma, submetendo-se a primazia do Papa; antes, é reconhecer a presença de Cristo em todo e qualquer lugar onde a Cruz seja anunciada.  Ser “católico” é reconhecer a presença do Cristo na Igreja, através das mais diversas tradições cristãs, tendo consciência de que nenhuma delas é perfeita, nem mesmo a nossa.

Além disso, ser “católico” implica na aceitação dos Credos Históricos, que são quem define as doutrinas fundamentais da religião cristã: o Cannon do Novo Testamento, a Trindade, o Nascimento Virginal, a Personalidade do Espírito Santo, a Segunda Vinda de Cristo, a Vida Eterna, etc. Todos estes dogmas pertencem a fé “católica”, e a negação de qualquer uma deles, implica em heresia. Neste sentido, deixar de ser católico é heresia!

Estes são conhecimentos pilares, que só não são ensinados em nossas Escolas Dominicais, porque boa parte de nossos professores não conhece sequer Teologia Sistemática, quanto mais conheceriam a História da Igreja, da Reforma, ou da formulação dos Dogmas. Todavia, a ignorância destes não anula os fatos: se são cristãos, cristãos que primam pela Ortodoxia, são católicos!

Minha segunda observação diz respeito à Liturgia. Muita gente que olha com desconfiança o Anglicanismo, o faz a partir de um preconceito litúrgico que se fundamenta no desconhecimento.  Ao verem um Bispo Anglicano, por exemplo, vestido com uma roupa semelhante às vestes de um Bispo Romano, eles automaticamente associam uma coisa a outra, sem terem discernido nenhuma das duas.

Outra confusão popular se dá entre o Missal Romano e o Livro de Oração Comum (LOC). O critico simplista, ignorando a matéria que propõe refutar, não se dá conta de que a Teologia de Culto que rege o LOC (Anglicano) baseia-se nos pilares mais fundamentais da Reforma Protestante. A metodologia do critico simplista consiste em comparar a riqueza do LOC com alguma versão evangelical de culto que mais lhe agrada, e então sentenciar: anglicanismo é catolicismo romano!

Se houvesse real trabalho de pesquisa científica na objeção, a conclusão seria que o Anglicanismo é uma tradição cristã católica, de gênese reformada, que não coaduna com os distintivos doutrinários e litúrgicos da Igreja de Roma. Mas, observe como o trabalho do educador religioso é árduo na Igreja Brasileira: não basta que se mostre a diferença entre a prática anglicana e a prática romana, é preciso retornar ao mais básico fundamento, e ensinar as pessoas o significado do termo “católico”.

De modo que, com todo respeito, e com sincero desejo de vê-lo progredir na aquisição de conhecimento, concluo dizendo ao zeloso apologista: o Anglicanismo jamais foi catolicismo “disfarçado”; antes, trata-se de catolicismo aberto e confesso; o que não implica em submissão, ou concordância, com os erros – de qualquer ordem ou natureza – que sejam praticados pela Igreja de Roma.

Aos meus irmãos e amigos anglicanos, deixo o meu zeloso conselho, que julgo condizer com toda a tradição crista: não abram mão das Escrituras; não se deixem seduzir por esta sociedade anti-cristã que pretende moldar um novo cristianismo a sua própria imagem e semelhança; sejam modernos, mas não abram mão de serem anglicanos e, antes de tudo, cristãos reformados, como sempre foram. 

Um abraço a todos. Feliz 2011!

2 comentários :

  1. Valeu marcelo sou presbiteriano, mas também passo por coisas deste tipo de pessoas que não conhecem a Bíblia, nem teologia querem passar por mestres sem saber o que dizem. Como reformado eu me solidarizo com meus irmãos anglicanos que tanto fizeram pela divulgação da fé reformada, fui aprovado no vestibular da UEPB para letras, lingua portuguesa e quero compartilhar contigo minha alegria. Um abraço!
    Pb. Missº Veronilton paz da Silva

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  2. Perfeito!! Se todos olhassem para as escrituras com zelo ao invés do nosso olhar frio humanista teríamos uma sociedade cristã muito mais forte e consciente.

    Graça a todos!"!
    Pr. Marcos Anderson
    canticonovo.net/marcao

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