Os samurais cristãos




Recordemos que a evangelização do Japão começou como um romance de aventuras. Em 1543, um comerciante português de mosquetes naufragou em Tanegashima, no sul das Kiushiu. Festejado como uma grande personagem porque tinha armas de fogo, este comerciante regressou e fez o seu relato a missionários amigos, não se cansando de tecer elogios à civilidade dos japoneses.




Em 1559, São Francisco Xavier desembarca em Kagoshima e começa a sua evangelização, primeiramente sob a égide dos jesuítas portugueses, depois sob a das ordens mendicantes espanholas: franciscanos e dominicanos. No início, tudo se estava bem. As autoridades encorajavam mesmo a propagação da fé cristã. Em 1586 foram construídas 200 igrejas, e convertidos 150.000 japoneses.

Mas as coisas cedo se estragaram: “Entre as ordens portuguesas e espanholas manifestaram-se rivalidades, cujo espetáculo, assaz deplorável, veio embaciar a reputação desses santos homens que vieram pregar a boa palavra. A situação começou então a degradar-se, sobretudo porque, entretanto, tinham chegado holandeses e ingleses (de religião reformada) que procuravam também começar (a missionar) no Japão.”

Foram estes que denuncia­ram os missionários e os tornaram suspeitos, explicando aos senhores da terra que “estes homens de Deus” não passavam de espiões, idos para preparar o desembarque de tropas espanholas e portuguesas. Quis a infelicidade que Ieyasu, que reinava então no Japão (na qualidade de shogun, representante de um imperador longínquo), se tivesse oposto a Hideyori, um outro shogun, este apoiado pelos cristãos. Em 1615, Ieyasu derrotou Hideyori no cerco de Osaka, e as perseguições começam: fogueiras, crucificações e toda a panóplia de mortes cruéis. Em 1629, foi decretada a renegação da fé cristã (foram pronunciadas 280.000 condenações). Enfim, sob Iemitsu, filho de Ieyasu, entre 1631 e 1635, foram tomadas medidas draconianas interditando aos japoneses, sob pena de morte, de viajar, residir no estrangeiro ou dele regressar, e fechando aos ocidentais todos os portos do Japão, salvo um único.

A revolta chamada de Shimabara (uma península de Kiushiu) estendeu-se à ilha vizinha de Amakusa. Esta ilha pertencia a Konishi Yukinaga, um daimio cristão (um daimio era, simplificando ao extremo, um senhor menor que devia preito a um shogun). Tendo-se oposto à tomada de poder por Ieyasu, este senhor cristão foi desapossado dos seus bens, os quais foram dados à família dos Terazawa.

Estes Terazawa, fortemente opostos ao cristianismo, aproveitaram para interdizer essa religião onde, anteriormente, ela florescia sob a proteção de Konishi Yukinaga. Os samurais do senhor destronado, depois os camponeses, os pescadores, todo o povo, começaram a organizar-se para resistir à tirania dos Terzawa.

As mesmas causas tinham produzido os mesmos efeitos em Shimabara, onde reinava uma família cristã, os Arima. Um dos filhos desta família achou bem denunciar o seu pai ao governo central que, contente com esta esmola, nomeou um governador daimio, Matsukura Shigemasa. As perseguições anticristãs deste novo senhor desencadearam a luta armada dos camponeses cristãos, a quem se juntaram na luta os samurais sem emprego e condenados a tornar-se camponeses ou a ficar “ronin”, quer dizer, privados de chefe, e perdendo, por esse fato, a identidade social.

Masuda Shiro e a Revolta de Shimabara

Em 1637 anunciaram, aliás falsamente, a morte do Shogun Iemitsu. Cinco daimios, apoiando-­se na profecia dum padre expulso em 1612 e que predizia o triunfo dos cristãos após um período de cinco lustros, entraram em dissidência. Escolheram um chefe, Masuda Shiro, um jovem de dezessete anos.

A partir de 17 de Novembro de 1637, Masuda Shiro vai lutar de vitória em vitória. As tropas governamentais, mesmo com o reforço de 1.500 homens enviados no fim de Dezembro, foram derrotadas em 2 de Janeiro de 1638 e, em 4, o jovem samurai de Deus tentava, sem sucesso, tomar a fortaleza de Tomioka.

Não tendo conseguido apoderar-se da cidade-fortaleza, Masuda Shiro juntou-se aos cristãos de Shimabara, que estavam em revolta aberta desde 9 de Dezembro de 1637. Esta revolta estava já muito avançada, pois que os rebeldes controlavam quase to­da a Shimabara. Mas os insurrectos cedo tiveram de enfrentar numerosas tropas governamentais, superiormente armadas.

Pressionado por todos os lados, Masuda Shiro tomou a funesta decisão de se refugiar, com 37.000 pessoas, numa cidade indefensável: Hara. Em 17 de Janeiro de 1638, os 30.000 homens do General Itakura Maizeno Sho Shigernasa lançavam um primeiro assalto contra os samurais cristãos, que repeliram as tropas e mataram o seu general-chefe, aos brados de “Virgem Maria!” e “Yesu Maria!” Em 11 de Abril de 1638, um novo chefe de guerra, Matsudaira Nobutsana, à frente de 100.000 homens, tomava a praça forte. O massacre foi horrível. Não foi poupado um só homem, uma só mulher, uma só criança.

Note-se que um holandês calvinista, um tal chamado Koeckebacker, chefe da feitoria de Hirado, participou na matança, aceitando bombardear do seu navio, o “De Ryp”, as posições defendidas pelos católicos. Recebeu a sua paga: os holandeses foram, a partir desse momento, os únicos europeus autorizados a permanecer no Japão…



 Visto no site Santo Tomas, e divulgado no Olhar Reformado.

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