Roteiro de estudos para apologistas cristaos
Por Marcelo Lemos
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A Apologética sempre foi uma matéria de muito interesse para mim, assim como a Teologia Sistemática de modo geral. Curiosamente, a medida que fui avançando em minhas pesquisas teológicas, fui me tornando mais seletivo quanto aos apologistas cristãos que deveria ler, e os que eram dispensáveis. Com o passar do tempo, aconteceu de eu ir notando certos vícios e defeitos que boa parte daqueles que pretendem defender nossa sublime religião insistem em perpetuar.
Nos últimos tempos, temos visto o surgimento de vários projetos apologéticos na internet, boa parte deles pela iniciativa de jovens cristãos, muitas vezes sem uma formação teológica formal. A princípio é algo belo de se ver, mas que pode terminar apenas reproduzindo antigos vícios, o que seria um lamentável desperdiço de energias e talentos. Pensando nisso, elaborei um pequeno roteiro de estudos para aqueles que querem dedicar parte de seu ministério, ainda que leigo, a ciência da Apologética.
Não se trata de uma receita mágica, mas de uma disciplina intelectual a ser desenvolvida. Uma disciplina que, dia a dia, imponho a mim mesmo, e aos meus escritos. Além disso, não se trata de um manual de apologética cristã, mas, repito, um roteiro de estudos para o apologista.
I – Ligue o aspirador de pó.
Se você pretende defender a fé cristã, a primeira coisa a fazer é comprar um aspirador de pó, caso não tenha um em casa. É impressionante como o povo cristão, mesmo aqueles que se chamam evangélicos (que, em tese, vivem e morrem por amor a Palavra de Deus), ignoram o conteúdo das Escrituras Sagradas, deixando-as sobre a mesa da sala, acumulando poeira. Portanto, coloque o aspirador de pó para funcionar, e dedique uma parte do seu dia a dia ao estudo da Lei do Senhor.
Meu conselho é que se comece pelo Novo Testamento, especificamente pelos Evangelhos. Lembre-se que o Novo Testamento é relativamente pequeno, e mais da metade é composta pelos três Sinóticos, mais o de S. João. Quando você terminar a leitura destes quatro livros, passe as Epístolas, que não lhe tomaram muito tempo. Evidentemente, refiro-me a uma leitura de familiarização; depois, é certo que o estudante dedicado acabará encontrando questões que lhe exigirão maiores atenções.
Não se interprete tal conselho como minimizando o valor do Antigo Testamento, mas como um convite ao coração da Doutrina Cristã.
II – Aprenda a pensar.
Seria divertido se não fosse trágico: boa parte das pessoas não sabe pensar com clareza. Nos últimos dias, tenho dedicado tempo a pesquisar a doutrina de certo pregador heterodoxo, herege. De modo que resolvi assistir a gravação de um debate no qual seus adeptos alegam que o mesmo humilhou um pastor brasileiro diante de um auditório lotado. Assisti a gravação, e constatei o fato: o pastor brasileiro padeceu na mão do homem.
Porém, analisando os argumentos em si, até o que pastor brasileiro não foi tão mal – exceto em algumas bobagens que disse -, mas sua derrota estava mais que anunciada pelo simples fato de ele não conseguir pensar com clareza, o que afetou drasticamente sua capacidade de expor seus argumentos, e sua capacidade de analisar e expor com clareza as falácias de seu oponente.
Se você deseja dedicar-se a apologia, deve conhecer um mínimo sobre lógica. Este conhecimento é necessário já que toda conclusão é precedida de uma ou mais premissas, as quais, se falsas, implicam numa conclusão igualmente falsa. Por isso se diz que nem tudo que é “lógico” é necessariamente “verdadeiro” - a verdade só se estabelece quando comprovada a validade de todas as premissas que nos conduziram a determinada conclusão.
Premissa: (1) Os movimentos satanistas usam a Cruz Invertida como forma de zombar do Cristianismo;
Premissa: (2) Os papas usam, entre seus símbolos, uma Cruz Invertida;
Conclusão: (3) Portanto, a Igreja Católica é uma instituição satanista e diabólica.
Do ponto de vista formal o argumento acima é “lógico”, porém, não conduz a uma conclusão verdadeira, já que uma das premissas é falsa, no caso, a segunda. De fato, os Papas usam uma Cruz Invertida, no entanto, ela representa o martírio de São Pedro, que segundo a Tradição, pediu para ser crucificado de cabeça para baixo, como uma forma de honrar o Senhor Jesus. Os satanistas a usam para zombar da fé cristã, mas este não é o caso da Igreja Católica.
Infelizmente, porém, esse tipo de falso silogismo é mais comum em alguns apologistas do que agente gostaria de admitir. Aprender a pensar nos ajuda tanto a evitar concluir equivocadamente, quanto a expor a falsidade das afirmações ou acusações daqueles que contrariam a fé cristã.
Premissa: (1) O cristianismo sempre foi inimigo da ciência e do conhecimento;
Premissa: (2) Com o advento do Iluminismo, o cristianismo foi tirado do centro da vida das pessoas, e a ciência floresceu;
Conclusão: (3) Razão e fé, portanto, são campos completamente opostos.
O argumento acima é muito bom, e foi armado de modo aparentemente tão lógico que é capaz de convencer a muitos, e assim tem feito os secularistas nos últimos séculos. Entretanto, tanto a primeira quanto a segunda premissas são falsas. De fato, medievalistas não cristãos admitem que a fé cristã possibilitou a construção da civilização ocidental como a conhecemos. Foi justamente a Igreja que deu origem ao método cientifico, as universidades, aos hospitais, e a diversas invenções que revolucionaram o mundo!
III – Deixe de lado a covardia; ou, não lute com espantalhos.
Quando começamos a descobrir um pouco mais das regras da lógica, quase certamente descobriremos um jeito fácil de se “vencer” um duelo de ideias: trata-se da técnica do espantalho. Imagine que o garoto mais forte da rua ande apezinhando a paciência de Joãozinho. Este, por sua vez, tem tanta vontade de dar uma lição no outro que confecciona um boneco de pano, chama-o pelo nome do valentão, e então o surra até a “morte”. Satisfeito, Joãozinho sai contado aos quatro ventos da grande surra que deu no valentão da rua...
Na lógica isso se chama “técnica do espantalho”, que consiste em você refutar algo que, ou não foi dito por seu oponente, ou foi deturpado por você. De fato, você vence o oponente, mas não por aquilo que ele realmente é, mas surrando um mero “boneco de palha” que você criou, e deu o nome do seu oponente. Você pode ter feito isso por má-fé, ou por ignorância. Seja como for, não se justifica, e ainda te conduzira a humilhação final, caso o seu oponente perceba a manobra e exponha sua covardia.
Portanto, se você quer refutar algum ensino que fere a pureza do Evangelho, procure, primeiro, verificar o que realmente é ensinado por seu oponente; até porque, acusá-lo de algo que ele não faz é calúnia e falso testemunho – coisas que não condizem com o cristão.
IV – Conheça a Teologia Histórica; ou, conheça a História do Dogma.
Estou certo que ninguém se atreveria a vestir a armadura dos Cavaleiros Apologéticos, sem que, antes, tivesse se munido de um bom conhecimento em Teologia Sistemática. Contudo, tenho visto não poucos que saem ao campo de batalha sem uma compreensão adequada da Teologia Histórica, que tem como função, nos sobre a História do desenvolvimento dos Dogmas do cristianismo.
No debate que fiz menção a pouco, vi um pastor bem intencionado levar uma surra apenas por ter afirmado que “as traduções possuem erros, mas a Bíblia original é isenta de erros”; ora, uma vez que não existe essa coisa de “Bíblia original”, o oponente se aproveitou da oportunidade para desacreditar sua habilidade teológica, e fez isso muito bem. É difícil acreditar que alguém ordenado ao ministério pastoral cometa um erro tão primário, mas duvido que este seja um caso isolado.
Um lugar onde facilmente encontramos apologistas ignorando a História da teologia é nos embates contra os católicos romanos. Se você vai questionar o Catolicismo, é bom que tenha consciência da importância do Magistério Romano para aquilo que o cristianismo é hoje; se o leitor se espanta com essa afirmação, apenas dá provas de que nunca teve um livro sobre a História do Cristianismo nas mãos.
V – Se apoie na cosmovisão reformada, ou, seja um calvinista.
Certamente este é um concelho que muitos irão detestar, mas não muda os fatos. Pelo que observo nos mais variados embates teológicos, especialmente contra aqueles que negam a fé cristã (ateus, agnósticos, etc), a vitória seria certa e rápida caso o lado cristão não tentasse “humanizar” as verdades bíblicas. Por incrível que pareça, muitos cristãos fazem questão de minimizar ou relativizar a Soberania e o Juízo de Deus. Agora, pensemos um pouco: desde quando relativizar alguma coisa é defendê-la?!!! Ora, se eu relativizo alguma coisa, assumo que aquilo é essencialmente errado e fora de lugar.
Na cosmovisão Reformada há uma linha divisória muito clara entre Deus e o homem: o primeiro é absolutamente soberano, e o dever do segundo é viver para Deus. Em outras palavras, o homem é barro, Deus o oleiro. Parece uma afirmação simples, mas sua exatidão teológica é tamanha que reduz a nada qualquer objeção contra a fé cristã. A cosmovisão reformada, se bem compreendida e empunhada, é capaz de desnudar a verdadeira natureza dos incrédulos, expondo sua factual irracionalidade.
Quando você usa a cosmovisão reformada em seu arsenal apologético, implica que você abordará a objeção de um ponto de vista proposicional. Ou seja, você tem consciência de que o oponente traz consigo sua própria visão de mundo, que é falsa - logo, também são falsas as objeções que o mesmo levanta contra a fé cristã. É inteiramente necessário que você compreenda a irracionalidade intrínseca de toda cosmovisão não cristã. Um bom modo de explicar isso é apelando para a regra da “não contradição”; em outras palavra, se a cosmovisão de alguém contradiz a si mesma, é falsa.
Imagine que um materialista (ateu, por exemplo) questione a bondade de Deus com base em algum massacre ordenado por Jeová na Antiga Aliança. Na maioria dos casos, vejo cristãos tentando adocicar a Bíblia, e aí o debate se arrasta quase ao infinito, já que toda argumentação terá uma contra argumentação. Ao tentar adoçar o relato bíblico, o cristão assume que a acusação é justa, e que Deus precisa ser defendido. Bem, isso coloca o incrédulo na posição de juiz de Deus, o que é tolice absoluta! Tal atitude é absolutamente desnecessária, desde que o apologista se de conta do quanto a cosmovisão do naturalista é irracional.
O correto seria responder com algo do tipo: é verdade, Deus ordenou o massacre de milhares de pessoas, incluindo crianças e mulheres, e o que há de mal nisso?
Veja, o fato é que um naturalista não possui qualquer base objetiva para definir “bem” e “mal”. Ainda que o naturalista seja uma pessoa ética, isso não significa que ele possa provar que sua ética pessoal seja “verdadeira”, no máximo, poderá provar que sua ética é “conveniente”. De fato, na lógica naturalista, o homem nada mais é que um animal que sobrevive as custas de seus semelhantes mais fracos e, portanto, ainda que a sociedade crie certas regras para controlar os impulsos, mas não há nada de errado em um assassinato em si, por exemplo. Ou seja, para o naturalista “bem” e “mal” não se baseia numa Verdade, mas numa imposição ou conveniência social. De modo que, em última análise, ele não possuiu nenhuma autoridade moral para questionar objetivamente a moralidade de Deus.
Agora, me permitam explicar a necessidade do apologista ser um pensador reformado: ainda que a cosmovisão de seu objetor seja falsa, não implica que a sua seja verdadeira, e ele pode perceber isso e usar a sua abordagem contra você. Portanto, é absolutamente necessário a defessa inarredável da Total Soberania de Deus, que só julgo alcançável dentro daquilo que se convencionou chamar de “calvinismo”. Um pensador arminiano, por exemplo, sempre será traído por sua tendencia em defender conceitos com “liberdade do homem” ou “vontade permissiva”, assim, caso ele acuse a cosmovisão naturalista de irracional, será bombardeado de tal forma que ambos terminarão dando aos mãos.
Como diz o título, este é um pequeno roteiro de estudo para o apologista cristão – quero enfatizar isto, roteiro de estudo. Sim, pois como meras dicas são de pouca utilidade, a intenção é incentivar o leitor a mergulhar fundo nos estudos destes temas: a lógica, o calvinismo, a sistemática, a história dos dogmas, o pressuposicionalismo... Infelizmente, há uma tendencia generalizada em se desprezar os estudos, como se eles nos impedissem ter comunhão com Deus, ou viver um cristianismo pleno. A consequência é a mediocridade, inclusive quando tentamos defender a fé. Portanto, comecemos pelo começo: estudo!
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