O que são disciplinas espirituais?


Queridos, não conheço a obra de Foster, de modo que não sei de maiores detalhes sobre suas convicções, no entanto, muito do que ele fala nessa entrevista sobre Disciplinas Espirituais tem muito haver com aquilo que tenho buscado - especialmente em minha recente descoberta, por exemplo, do uso do Lecionário nas minhas leituras e orações Matutinas. É um tema que pretendo começar a abordar aqui no Olhar Reformado. Este é o motivo de publicar esta entrevista. E você? Quais tem sido as disciplinas espirituais em seu andar diário? Compartilhe deixando seu comentário!

CRISTIANISMO HOJE – O que são disciplinas espirituais?
RICHARD FOSTER – As disciplinas espirituais são simplesmente uma parte da vida cristã normal. Através dessas disciplinas, aprendemos a colocar nosso corpo e nossa mente diante de Deus, a fim de que o Senhor promova sua obra em nossas vidas. É o que a Palavra de Deus chama de sacrifício vivo. Jamais poderíamos ter amor, alegria, paz, benignidade, bondade e longanimidade sem a graça do Senhor. E essas coisas promovem o crescimento da alma, levando-nos a assumir uma nova personalidade, um caráter cristão.

Sacrifícios e disciplinas parecem, à primeira vista, difíceis de atingir para o crente comum...
Não. A disciplina espiritual é para todos os cristãos. Ela nos move para a vida abundante que Jesus promete. Não há como avançar como discípulo de Cristo sem uma formação espiritual adequada. O detalhe é que não há valor nas disciplinas em si. Em nenhuma delas. Elas não nos rendem pontinhos extras com Deus. Estamos falando de coisas que os crentes precisam fazer para viver a simples vida cristã. Oração, meditação, estudo e jejum fazem parte da vida sob a graça. E nós não somos apenas salvos pela graça; nós vivemos pela graça!

Qual a diferença entre disciplinas cristãs e boas obras?  
As disciplinas não são obras. As disciplinas não têm nada a ver com as obras, pois elas não produzem justificação alguma. Portanto, nunca devemos pensar nas disciplinas como meio para ganhar algo. Dito de outra forma, as disciplinas espirituais nos trazem a justiça do Reino de Deus de uma maneira indireta. Elas são esforço. Como disse Jesus, nós nos esforçamos para entrar pela porta estreita – ou, nas palavras do apóstolo Paulo, devemos nos empenhar na piedade. Nós simplesmente fazemos as coisas com nossas próprias mãos e o Senhor usa isso para operar maravilhas em outros seres humanos, pelo seu poder. Essas coisas levam ao crescimento da alma, e nós começamos a assumir uma nova personalidade, um caráter cristão.Aprendemos a amar nossos inimigos, e assim por diante. Isso é para todos os cristãos. É a herança comum do povo de Deus.

Disciplina espiritual não é um tema com tanto apelo entre os cristãos de hoje. Como o senhor explica, então, o enorme sucesso de seu livro Celebração da disciplina, que já vendeu mais de um milhão de cópias?
Só posso entender que foi a graça de Deus que fez tudo acontecer da forma como aconteceu. Senão, como umas poucas anotações em um pedaço de papel poderiam ter esse tipo de efeito? Celebração da disciplina foi escrito para todos aqueles que ficaram decepcionados com as superficialidades de todos os aspectos da cultura moderna, incluindo o religioso. Acho que o livro saiu justamente no momento em que havia um sentimento genuíno de que o que estávamos fazendo no ministério não funcionava mais. Além disso, líderes foram caindo como moscas devido a falhas morais, e as pessoas estavam ansiando por algo mais substancial. O livro veio trazer uma proposta de vida espiritual mais profunda e comprometida. Havia também desejo de se resgatar um verdadeiro diálogo sobre o crescimento da alma, que havia sido esquecido.

Que diálogo é esse?
Para a maioria dos crentes, houve algo muito espiritual e especial na Igreja primitiva – e, depois, isso praticamente desapareceu, talvez com um pequeno lampejo na Reforma. Então, eu tentei, com Celebração da disciplina, levar as pessoas a uma grande discussão sobre o crescimento da alma, uma discussão que tem ganhado espaço ultimamente. Muitos editores têm trabalhado para desenvolver uma literatura que realmente mova as pessoas para frente. Ninguém está mais interessado nesse tipo de religiosidade superficial, que aliás é bastante comum no nosso cenário americano.

Seu livro já foi traduzido para mais de 20 idiomas. Essa religiosidade superficial é um problema generalizado ou afeta principalmente a Igreja ocidental e urbana?
Penso que a superficialidade é a maldição do nosso tempo, e isso tem sido amplamente reconhecido por cristãos de toda parte, em todo o mundo. O grande desafio hoje, na cultura ocidental, é a distração. As pessoas estão totalmente distraídas e, portanto, não conseguem se focar. Com a internet e as infinitas opções de entretenimento de hoje, há várias maneiras diferentes de manter a mente das pessoas em constante movimento, a fim de que não tenham que refletir ou pensar – e, claro, as igrejas fazem coro com essa cultura. É por isso que a solidão e o silêncio estão entre as disciplinas espirituais mais importantes para o nosso tempo.

Em Rios de água viva, o senhor fala sobre seis tradições da espiritualidade cristã, dentre elas a santidade. Nestes tempos de relativismo, onde o pecado tem sido muito tolerado, a santidade foi deixada de lado?
Eu acho que a falta de santidade é mais evidente em nossos dias do que em épocas anteriores. Temos ensinado um evangelho que faz com que as pessoas não precisem viver uma vida de santidade e discipulado com Jesus. Temos pregado coisas do tipo: “Aceite certas verdades e você vai para o céu quando morrer”. Assim, o foco principal foi ficando no céu. Mas o Evangelho de Jesus enfatiza a santidade como condição imediata para a salvação – “Arrependei-vos, pois o Reino de Deus está próximo”. Então, precisamos ser lembrados de que a salvação é uma vida com Jesus, que começa agora, e continua até a morte, que é apenas uma pequena passagem desta vida para uma outra, eterna e melhor.

Grandes avivamentos da história, como o que ocorreu na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos no século 18, trouxeram mudanças positivas na sociedade, ao mesmo tempo em que abalaram a Igreja. Hoje, em nações forte de presença evangélica, como os EUA e o Brasil, movimentos espirituais parecem ficar circunscritos às paredes dos templos, quase sem nenhuma relevância social. Por que isso acontece?
Os primeiros seguidores de John Wesley falavam de uma santidade que promovia impacto social. William Penn disse: “A religião não nos leva para fora do mundo.Ela nos leva ao mundo eimpele todos os nossos esforços para consertar o mundo”. Recuperar esta ênfase é parte fundamental no processo de avivamento cristão. Nós nos esquecemos de que o envolvimento em uma guerra espiritual tem várias frentes ao mesmo tempo – ela acontece nos níveis pessoal, social e institucional, para citar apenas alguns. A proclamação do Evangelho inclui o que os reformadores chamavam de “mandato cultural”, ou seja, necessariamente deve ter impacto sobre a cultura em geral. Um avivamento certamento começa no indivíduo, mas também o leva para fora, a fim de interferir na vida dos outros. Basta pensar, por exemplo, no que aconteceria se os cristãos aprendessem a não mentir.Pense no tipo de mudança que isso poderia provocar em instituições empresariais, governamentais e em todas as instâncias. As implicações sociais da pregação do Evangelho têm que acontecer de alguma forma.Nós amamos a Deus e amamos ao nosso próximo; isso anda de mãos dadas. O III Congresso de Lausanne, que aconteceu ano passado na África do Sul, voltou a salientar que o evangelismo cristão deve sempre promover profundo impacto social.


Como promover um discipulado eficaz na sociedade de hoje?
O discipulado é uma característica da vida em comunidade. No caso do discipulado, ele é uma das expressões dessa vida comunitária. Falo de uma comunhão profunda, muito mais intensa do que as configurações normais das igrejas, onde as pessoas se encontram uma vez por semana, ou às vezes apenas uma vez por mês. Por isso, a essência do movimento Renovare é a criação de comunidades. Temos trabalhado para criar comunidades de pastores, líderes e leigos. Agora, desenvolver uma comunidade onde as pessoas amem e cuidem umas das outras leva um longo tempo.

O senhor fundou o movimento Renovare há quase 25 anos. Dos objetivos iniciais, quais foram realmente atingidos?
Tivemos três grandes objetivos no início. Em primeiro lugar, levantar um grande diálogo sobre a transformação da alma. Em segundo, criar um corpo de literatura que iria interagir com a grande tradição cristã de espiritualidade. Acho que fizemos isso muito bem. Nós produzimos uma série de textos e livros que foram publicados sobre o tema. É claro que outras pessoas que estão escrevendo nesta mesma área nos ajudaram muito. A terceira proposta era trabalhar duro para ancorar tudo isso com as Escrituras, porque os ensinamentos de formação espiritual, se feitos de qualquer maneira e sem os vínculos certos, podem levar a perigosas direções. Também tivemos três tipos diferentes de grupos em mente no nosso ministério. Um deles eram as pessoas na igreja que tinham fome e desejo pelas coisas espirituais. Um segundo grupo foi de pessoas que estavam decepcionadas com a igreja, mas eram cristãos e queriam viver para Deus. Acho que, com esses dois segmentos, fizemos muitas coisas boas. Em terceiro lugar, queríamos atingir pessoas que ansiavam por uma vida espiritual genuína, mas não eram cristãos. Com esse grupo, ainda não conseguimos fazer um bom trabalho.

Quais são as características comuns de Renovare em locais tão diversos como Brasil, Inglaterra e Coreia do Sul?
Logo no início, decidimos que as diversas expressões de cada país seriam independentes. Cada cultura apresenta suas definições fundamentais do que é discipulado e disciplina espiritual – mas há problemas comuns a todos os cristãos. Nós já mencionamos que a distração é um problema para a nossa cultura ocidental. Pois bem, no tempo em que vivi com os povos esquimós acima do Círculo Polar Ártico, percebi que mesmo lá isso também é verdade. Cada grupo, como os cristãos brasileiros, tem que decidir como sua formação espiritual vai trabalhar com a cultura secular em seu contexto, e o que será necessário expurgar. Não podemos aplicar fórmulas de uma cultura em outro contexto; todavia, podemos ir lá para aprender.

Não existe o risco de promover uma espécie de ecumenismo teológico, misturando grupos de tendências espirituais inconciliáveis?
Não. O Renovare é altamente cristocêntrico. Temos uma cristologia muito bem definida e sustentada teologicamente. Nossa declaração diz: “Na dependência total de Jesus Cristo como meu Salvador sempre vivo, Mestre, Senhor e amigo, vou procurar a renovação contínua através de exercícios espirituais, dons espirituais e atos de serviço”. Isso não é uma declaração genérica, e não tem o menor denominador comum com o ecumenismo. Somos assumida e declaradamemente centrados em Jesus, e essa postura, por si só, tem uma enorme força de união para aqueles que mantêm o foco bem claro em um Jesus vivo, que atua em nós de todas as formas. Queremos ser como Jesus, e todos os nossos textos e mensagens apontam para uma formação espiritual em Cristo.

Qual o ambiente mais propício para a formação espiritual na igreja local? A escola dominical, a pregação, a mentoria ou os pequenos grupos?
Todas essas opções. A pregação é um dos principais meios de formação espiritual do povo. Agora, nós perdemos esse entendimento quando o pastor não conhece seu rebanho. O pastor é um diretor espiritual para a congregação. Então, precisa caminhar entre o povo, saber o nome das pessoas, conhecer as situações com que está lidando. A mentoria também tem esse aspecto de envolvimento. Já os pequenos grupos nutrem uma forma mais forte de carinho, amor e cuidado, e isso é um importante meio de formação espiritual.

A Igreja Evangélica, tanto na América quanto no Brasil, é regularmente chacoalhada por novos movimentos que causam grande impacto, promovem mudanças estruturais e comportamentais, mas depois desaparecem com seus erros e acertos. O que se pode fazer para preservar os ganhos espirituais dessas ondas?
Nosso povo tende a ser levado por modismos muito facilmente. É importante olhar sempre para frente, a longo prazo. Em qualquer situação, devemos sempre prestar atenção ao tipo de vida que cada movimento está produzindo. Quem não conhece a história fica muito impressionado quando aparece um desses movimentos de fé, mas eles sempre têm surgido ao longo dos tempos e, muitas vezes, não trazem nada de novo – é só algo mais que pode colaborar, e pronto. Se houver algum tipo de bem que um novo movimento possa trazer, ótimo, vamos incorporar isso. Mas ainda assim, não vamos ficar muito animados e abrir a guarda totalmente para o novo. Quero ver como tudo vai se desenrolar dentro dos próximos 50, cem anos...

O senhor disse que, no início de seu ministério, foi encorajado a ser “ministro de Cristo”, e não um “ministro do povo”. Qual é a diferença?
Isso foi no tempo em que eu estava tentando entender a identidade pastoral. Foi meu amigo Dallas Willard que me disse: “Você precisa decidir se é um ministro do povo ou um ministro de Cristo”. Ele sabia que, naquele início de carreira, eu estava sendo puxado em todas as direções por causa de expectativas do povo acerca do que um pastor deveria fazer.Se sou um ministro do povo, então eu sou controlado pelo que as pessoas pensam, sentem e dizem. Mas, se sou ministro de Cristo, então é o Senhor quem dá as cartas, e depois disso eu vou servir ao povo. Há um pequeno livro de Watchman Nee chamado Ministry to the house or to the Lord [“Ministério para a casa ou para o Senhor”], que aborda a mesma idéia básica. Quando você aprender a ministrar a Deus, então o trabalho que você faz, seja em casa ou na igreja, irá encontrar o lugar certo. Eu encorajo os pastores a aprender que, primeiro, devem ser ministros de Cristo. Então, seu trabalho entre o povo vai achar seu próprio lugar de forma natural.

Os pastores costumam se queixar de solidão. Isso já aconteceu em seu ministério?  
Eu sempre incentivo os pastores a encontrar uma pessoa a quem possam abrir o coração, compartilhar a vida. Certa vez, pedi a um pastor luterano que me ensinasse tudo o que sabia sobre oração. Esse foi o começo. Aquele homem tornou-se meu grande professor e mestre, e isso acabou desenvolvendo uma bela e duradoura amizade ao longo de quarenta anos.  Mesmo quando nos separamos geograficamente, sempre mantivemos uma comunicação regular.
Isso não tem que ser feito com alguém extraordinário; basta ser uma pessoa simples e madura. Todo pastor deve pedir a Deus que lhe mostre alguém assim. Ajuda se for alguém de fora da congregação, porque aí pode-se compartilhar de forma mais aberta problemas pessoas e ministeriais. Mas, é claro – as pessoas de dentro da congregação também podem amar e cuidar do líder. O pastor que vê nas ovelhas não apenas pessoas a quem têm de disciplinar, mas amigos, pode desenvolver na igreja boas e profundas amizades cristãs.

O senhor se refere com carinho a suas experiências de contato com a natureza no Colorado. O que isso significa para sua formação espiritual?  
Uma das razões pelas quais eu amo ir para as montanhas e os bosques é porque lá posso ver as obras do Pai na criação. A glória do Criador é revelada na criação, embora tudo tenha sido afetado pela queda do homem. Essa olhada na natureza, de vez em quando, faz com que nos desprendamos das coisas que temos de fazer e nos ensina que o mundo passa muito bem sem nós! Além disso, quando você trabalha com pessoas mal humoradas, ver mão do Pai na natureza mostra as coisas boas que ele faz para todos nós...

Dentre os autores cristãos contemporâneos, quais o senhor lê?
Lamento dizer que minha lista de autores contemporâneos é muito pequena. Grande parte das coisas que são escritas hoje só merece cinco ou 10 minutos. A maior parte da leitura que faço é de autores já falecidos. Eugene Peterson é um dos poucos autores atuais que eu acho que realmente vale a pena ler. Certamente, Dallas Willard é tremendamente útil. Mas, dentre os clássicos antigos, a Imitação de Cristo, por Thomas A. Kempis, não pode ser lido com rapidez – é preciso dedicar seis meses ou um ano para se aprofundar e captar a obra.Por isso, eu passo a maior parte do meu tempo com os escritores antigos, porque eles realmente alimentam a minha vida.

Em quais livros o senhor está trabalhando agora?
Acabei de completar Santuário da alma, que sai este ano. Agora, estou trabalhando em uma continuação dele. Também quero escrever alguns pequenos livros, e, quem sabe, algumas memórias.Vamos ver no que tudo isso vai dar. Eu sou muito lento como escritor porque trabalho muito no velho estilo. Passo a manhã toda tirando uma vírgula e, em seguida, perco a tarde colocando-a de volta!

Qual é o estilo de vida que agrada a Deus?
Precisamos aprender a ter um pouco de paz e alegria, e não tentar viver uma vida espiritual muito tensa. Eu gostaria de dizer às pessoas que tudo que fizermos deve nos alegrar em Deus e nos levar a desfrutar da comunhão e amizade um do outro. A vida que agrada a Deus não vem por ira ou estresse, mas por um profundo amor ao Senhor, com Jesus e as pessoas que estão ao nosso redor.

Encontrei no Genizah! 

2 comentários :

  1. tem alguns probleminhas nessa obra... segundo o Lucio do MCA. Vou pedir pra ele te passar, abração
    Mestre, já tem algum tempo que não fala de pós milenismo... estou com sdd dessas matérias... não sou pós, por causa de um texto, mas estou com vcs na maioria... e na esperança!
    abração

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  2. Luciano; eu gostaria muito de receber tal material. Como eu disse, não conheço a obra do autor, apenas considerei a entrevista que ele deu de algum valor. Fico no aguardo, abraços!

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