Entrevistando Calvino: Eleição e Reprovação

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Por Marcelo Lemos

1. É comum, mesmo entre calvinistas, a afirmação que Deus atuou na eleição dos crentes mas não na reprovação dos ímpios; o que o senhor pensa disso?

Estão grandemente enganados! Porque não existiria Eleição se por outro lado não houvesse Reprovação. Aqueles pelos quais Deus passa direto ao eleger, os reprova; e isto pela única razão de querer excluí-los da herança para a qual tem predestinado seus filhos. Paulo não se esforçou em desculpar Deus, como muitos procuram fazer, ele se limitou a afirmar que não lícito que o “vaso” questione o “Oleiro” que o formou (Romanos 9.20,21).

2. Alguns imaginam que, para ser justo, Deus precisa ter escolhido com base nas ações humanas, ou seja, ele previu o que o homem faria, e Deus escolheu.

Deus não faz nada injusto: Sua Vontade é a regra suprema de toda justiça. Se algo é a causa da Vontade de Deus, então é preciso dizer que existiu antes dela e que a obrigou: até imaginar isso é uma grave impiedade.  

3. Mas, como dizem os ímpios, e mesmo alguns teólogos, não é injusto da parte de Deus que ele condene aqueles que ainda não o ofenderam. Ou seja, se Deus, desde a Eternidade, resolveu que alguns não receberiam sua Graça na mesma medida que os eleitos, não se trata de injustiça?

De tal modo a Vontade de Deus é a regra suprema e infalível de toda justiça, que tudo quanto Ele deseja, pelo simples fato de deseja-lo é justo. Por isso é que quando questionados sobre o motivo de Deus ter feito algo de um modo, devermos responder: Porque Ele quis. Porque se alguém insiste em continuar perguntando o “motivo da vontade” de Deus, está na verdade buscando algo superior e mais excelente que a própria Vontade de Deus; o que é impossível. Portanto, refreie-se a temeridade humana, e não procure por aquilo que não existe. Este é um excelente freio para deter aqueles que, como reverência, querem meditar os segredos de Deus.

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4. Deus é amor, e é justo. O fato d’Ele condenar alguns não contraria isso? Não estaria Deus quebrando sua própria regra?

Não imaginamos um Deus sem Lei – Ele mesmo é sua própria Lei! Os homens, como diz Platão, estando sujeitos aos maus desejos precisam da lei; mas a Vontade de Deus, que não apenas é pura e livre de todo vício, mas é também a regra suprema da perfeição, e a Lei acima de todas as leis. Assim, negamos que Deus esteja obrigado a nos prestar contas do que faz; e negamos que sejamos juízes competentes e idóneos. Se nos atrevemos ir além do que nos é permitido podemos temer a ameaça do salmista: “Contra Ti, contra Ti somente pequei, e fiz o que a teus olhos é mal, para que sejas justificado quando falares e puro quando julgares” (Salmos 51.4).

5.  Se isto é assim, como Deus poder julgar, como poder responsabilizar aqueles que ele mesmo presdestinou a ruína?

Em primeiro lugar precisamos estar plenamente convencidos do que escreveu Salomão: “O SENHOR fez todas as coisas para os seus próprios fins, e até o ímpio para o dia do mal” (Provérbios 16.4). A ordenação de todas as coisas está nas mãos de Deus, e Ele, segundo o que lhe agrada, pode dar vida ou morte, e também ordena que alguns desde o seio materno estejam destinados a morte eterna, e que com sua perdição glorifiquem seu nome.

Os ímpios desejam uma desculpa para o seu pecado, dizendo que não podem evitar pecar por necessidade – principalmente por tal necessidade lhes vem imposta pela Vontade de Deus. Eu, ao contrário, nego que isso seja o suficiente para desculpá-los, posto que esta ordenação de Deus, da qual se queixam, é justa. E ainda que sua justiça e equidade nos sejam desconhecidas, sem dúvida são certas.

Adaptado das Institutas de Calvino, Edições Felire.

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