Escritura e Finanças Pessoais
Por
Marcelo
Lemos
Como
pergunta o teólogo reformado Gary North, existiria algo como “uma
economia distintivamente cristã?”
(1) Seria a clássica divisão entre “direitistas” e
“esquerdistas” suficiente para a Igreja? Podemos expandir a
questão e inquirir se existe um modo bíblico de pensar e fazer
economia, e se existe um modo bíblico de se pensar e fazer política.
Se o leitor, assim como este escriba, acredita na suficiência da
Escritura, a resposta é sim.
A
Bíblia não contém apenas resposta para todas as necessidades
espirituais
do homem, a Bíblia tem a resposta para todas
as necessidades do homem. E isso inclui a Política e a Economia.
Falaremos especialmente sobre economia, já que os desdobramentos
políticos dependem profundamente de nossas concepções econômicas.
Deus
mesmo criou o motor básico da Economia quando amaldiçoou a terra.
Ainda que no Paraíso o homem não pudesse viver ociosamente, já que
lhe era dada a tarefa de ‘cultivar’ o Jardim de Deus, havia,
entretanto, suprimento abundante de todos os recursos necessários
para sua subsistência. Adão jamais precisaria economizar algo, pois
tudo havia em abundância, sempre. Aquilo que hoje podemos chamar de
Ciência Econômica era algo completamente inútil e desconhecido
para Adão.
Mas
Deus, como dissemos, faria isso mudar. Deus amaldiçoou a Terra, e
tornou os recursos naturais escassos. É a escassez de bens que gera
a necessidade econômica - se todos os recursos existissem de modo
abundante e de fácil acesso, não haveria necessidade de fazer
economia
(2). Basta o leitor pensar em seu orçamento doméstico e entenderá
isso ainda melhor. Qual a minha renda mensal? Quanto da minha renda
gasto, com que, e como? Quanto sobra? Que devo fazer com a sobra?
Observe que, se houvesse uma renda ilimitada, o leitor jamais se
preocuparia com tais questões.
Uma
vez que sua renda não é infinita, faz-se necessário elaborar um
plano orçamentário para a família, a fim de que todos em casa se
comprometam com algum modelo de economia
doméstica.
Numa
definição bem despretensiosa podemos explicar a Economia como sendo
uma preparação para o futuro, entendido a curto, médio ou longo
prazo [um dia, uma semana, um mês, uma década...]. Seu papel é
analisar os recursos disponíveis, ou que estarão disponíveis em
determinado período, e estudar a melhor forma de usá-los a fim de
suprir as necessidades existentes, e até a possibilidade de poupar
uma parte destes recursos. A essa altura descobrimos que o Capital é
fruto da Economia. Mas, deve o leitor não pensar imediatamente em
'dinheiro' toda vez que ouvir sobre 'Capital'. Com efeito, capital
“são todos os bens existentes num determinado período, que podem
ser usados de alguma maneira para satisfazer necessidades no período
subsequente” (3).
Assim,
o homem tribal que planejava plantar “x” sementes, em “y”
quantidade de terra, prevendo colher “n” quilos de trigo, era um
Economista. E quando esse mesmo homem tribal planejava o suficiente
para fazer sobrar “i” quilos de trigo para usar em períodos de
colheira ruim, ou simplesmente para trocar por outras mercadorias
(escambo), estava gerando “poupança/capital”. Infelizmente, a
mentalidade moderna, embebecida pelo ópio marxista, entende a
Economia como uma ciência disponível a poucos iluminados, e o
Capital como o dedo de Midas de outros poucos privilegiados e
usurpadores.
Ao contrário, tanto a ciência econômica quanto a Sagrada
Escritura, demonstram que a capitalização de recursos é base para
a estruturação da riqueza e a alavanca para o crescimento econômico
genuíno.
Por
causa do pecado, a ciência econômica não pode ser algo exato, quem
dirá perfeito. Ainda assim, facilmente se pode constatar que a
situação no mundo atual está muito, muito longe do modelo
econômico prescrito nas Escrituras. E podemos comprovar isso olhando
para nós mesmos. A maior parte de nós está acostumada a medir o
grau de sucesso de uma pessoa com base em seu consumismo,
e não em sua habilidade e disposição para investir
e poupar.
Em miúdos, admiramos pessoas que gastam,
e não pessoas que economizam.
Evidentemente,
consumir não é o problema, mas um determinado modelo de consumo
pode ser pecaminoso. Quando poupamos, o fazemos para ter condições
de consumir mais, ou melhor, no futuro, e não há qualquer mau
nisso; o problema é quando invertemos essa ordem, e transformamos o
consumo num devorador de poupança. No segundo caso acontece
exatamente isso: as pessoas gastam aquilo que não possuem, e para
isso, compram dinheiro (crédito) de outras pessoas ou instituições,
e consomem toda sua renda com pagamento de juros. Um autor secular
definiu esse comportamento, de modo bem apropriado, como sendo “a
corrida dos ratos” (4), pois como os ratos de laboratório, o
consumista corre loucamente em sua gaiola sem jamais sair do lugar.
Mas,
afinal, o que a religião cristã tem haver com isso? Especialmente,
o que o cristianismo
reformado
tem com o assunto? Segundo Max Weber (5), a Reforma Protestante
produziu uma profunda transformação no mundo. Claro, uma
transformação que foi primeiramente teológica e espiritual, mas,
conjuntamente, deu-se uma transformação ética que marcou
profundamente as relações econômicas. Seria correto definir nossa
sociedade de consumo como sendo aquela voltada ao que é efêmero? Os
Reformadores, especialmente calvinistas, condenariam essa sociedade e
a denunciariam por estar voltada quase exclusivamente à satisfação
de prazeres imediatistas. Weber aponta que os Reformadores
enfatizavam o tema da predestinação e a vocação para o trabalho,
o que teria dado impulso ao que hoje chamamos de Capitalismo.
Para
compreender melhor este quadro se faz necessário visualizar como
Weber pinta a espiritualidade católico romana antes da Reforma. Ele
mostra que o Catolicismo valorizava a vida no Monastério, em
detrimento a vida secular. Não é verdade que os romanistas tenham
simplesmente abandonado a vida secular, e seus esforços
educacionais, científicos e humanitários facilmente refutariam
acusação tão absurda; contudo, a vida espiritual desejável e
idealizada se dava no monastério, no afastamento do mundo. Mais ou
menos como se dá, hoje, na mentalidade de alguns evangélicos
anti-intelectuais. Nunca foi assim para os Reformadores: ensinavam
que através de seu trabalho o cristão deveria, para a glória do
Senhor, “dominar” a Terra (Gênesis 1.28). De fato, viver isolado
do mundo, num monastério, ou
entre as quatro paredes da Igreja,
era algo quase abominável aos olhos da maioria dos reformadores.
Se
para Karl Marx o acumulo de capital se dá
pela exploração dos mais fracos pelos mais ricos, Weber o via como
consequência natural da disposição do protestante para o trabalho,
e sua facilidade em abrir mão dos prazeres imediatistas. Ou seja, o
protestante, ao invés de gastar seu dinheiro com prazeres, diversões
e coisas supérfluas, preferia abster-se do “aqui agora”, e
dedicar-se ao trabalho, que gerava poupança e, consequentemente,
capitalização. Essa disposição protestante, e calvinista, para o
trabalho, quase exageradamente avessa ao divertimento, baseava-se
no desejo de “aumentar a glória de Deus” na terra.
Estranhamente,
hoje em dia, os evangélicos parecem acreditar que uma vida sem muito
esforço, e dedicada exclusivamente a gastar mais e mais, seria para
a glória de Deus...
Honestamente,
esse escriba tem algumas críticas a fazer a obra de Weber. A mais
importante delas que Weber é extremamente preconceituoso contra o
próprio Calvinismo, talvez por não tê-lo compreendido
adequadamente. Weber
imagina,
por exemplo, que para os calvinistas a riqueza seria prova da
eleição. Augustus Nicodemus aponta que: “... O
calvinismo é, precisamente, a primeira ética cristã que deu ao
trabalho um caráter religioso. Mais tarde, esse conceito foi mal
compreendido por Max Weber, que traçou sua origem à doutrina da
predestinação como entendida pelos puritanos do século XVIII.
Weber defendeu que os calvinistas viam a prosperidade como prova da
predestinação, de onde extraiu a famosa tese que o calvinismo é o
pai do capitalismo. As conclusões de Weber têm sido habilmente
contestadas por estudiosos capazes, que gostariam que Weber tivesse
estudado as obras de Calvino e não somente os escritos dos puritanos
do séc. XVIII” (6). Ainda
assim, há grande mérito em sua obra, especialmente ao apontar que o
conceito tradicional de “capitalismo” jamais teria alcançado o
desenvolvimento moderno sem a influência da Religião Reformada.
Talvez se retomássemos a ética reformada a respeito do trabalho e
da poupança, o capitalismo praticado hoje seria muito menos
problemático.
O
que dizem as Escrituras? Se por um lado a Escritura condena o amor ao
dinheiro, o consumir-se de preocupações para com o futuro, e ainda
os meios escusos de enriquecimento (por ex.: S. Lucas 12.24; S.
Mateus 6. 19:21), por outro lado ela apoia o conceito de economia e
poupança. Como já foi dito, o pecado impede que possa existir um
sistema econômico perfeito, até porque a necessidade de economia já
demonstra a escassez e, portanto, imperfeição. Contudo, buscar a
glória de Deus exige que apliquemos valores bíblicos a nossa vida,
o que certamente inclui nossas finanças. E isso nos leva a poupança,
ou em outras palavras, ao acumulo de capital.
“A
riqueza de procedência vã diminuirá, mas
quem ajunta com o próprio trabalho a aumentará”
(Provérbios 13.11). “Na casa do
sábio
há comida e azeite armazenados,
mas o tolo devora
tudo
que pode” (Provérbios 21.20). “O homem bom
deixa herança
para os seus filhos...” (Provérbios 13.22). “Quem relaxa em seu
trabalho é irmão do que o destrói” (Provérbios 18.9).
Também
encontramos recomendações bíblicas que desabonam o endividamento.
Infelizmente, dentro da própria Igreja hoje encontramos líderes que
encorajam o crédito rápido e fácil (sempre muito caro!), ainda que
sob a desculpa de “ofertar” - em longas parcelas! - para a causa
do Senhor. Os Reformadores, e a Bíblia, jamais viram o endividamento
dos crentes como sendo causa de maior glória para o Reino de Deus. A
Bíblia chama de 'escravo' aquele que deve a outros.
“O
rico domina sobre o pobre; quem toma emprestado é
escravo
de quem empresta” (Provérbios 22.7). “Não devam nada a ninguém,
a não ser o amor...” (Romanos 13.8).
O
mundo é imperfeito.
O
pecado está a nossa volta. Ninguém pode ser completamente autônomo
financeiramente.
Até mesmo o maior dos capitalistas sempre será um empregado dos
consumidores e, portanto, jamais poderá imaginar que sua riqueza é
inabalável –
se bem que, hoje, o Estado tem sido usado para perpetuar monopólios
e privilégios de alguns.
Mas a imperfeição do mundo não anula os mandamentos bíblicos. E
mesmo aquele cristão que, por alguma desaventura qualquer, se veja
completamente impedido de qualquer grau de liberdade economica,
pode ter em mente o conselho de S. Paulo: “Foi você chamado sendo
escravo? Não se incomode com isso. Mas, se você puder conseguir a
liberdade, consiga-a!” (I Coríntios 7.21). Se o cristão pode
tornar-se livre economicamente, liberte-se! Se não pode, permanece
eleito por Deus.
A
capitalização não, é em si, prova da eleição, e também não é
algo moralmente reprovável, desde que obtida por meios aceitáveis
pela Lei do Senhor. Na conhecida Parábola do Talentos, Cristo falou
da condenação do servo mau que não teve tino financeiro suficiente
para capitalizar os recursos que recebera - “... você deveria ter
confiado meu dinheiro aos banqueiros, para que, quando eu voltasse, o
recebesse de volta com
juros”
(S. Mateus 25.27), sendo que S. Lucas descreve a mesma cena com
Cristo questionando o servo negligente: “... por que não confiou o
meu dinheiro ao banco? Assim, quando eu voltasse o receberia com
os juros”
(S. Lucas 19.23) (7).
“Tenho
boas e más notícias. Ok! Não tem nada de errado com depositar
dinheiro no banco e receber os juros. Essa é a boa notícia. Mas,
não é prudente tomar dinheiro emprestado para comprar qualquer
coisa, exceto para algum investimento ou emergência. Essa é a má
notícia para a maioria dos cristãos”(8).
Por
falar em banqueiro, o cristão versado nas Escrituras saberá que os
juros são uma faca de dois gumes. Portanto, atente para aquilo que
realmente servirá para glorificar a Deus em sua vida. E a Bíblia,
como é de se esperar, nos mostra os dois lados dessa
moeda. Nos
são apresentados
princípios que devem nortear nossas finanças pessoais, a relação
entre o Estado e o mercado, os direitos civis, e assim por diante.
Temos, portanto, o dever de aplicar as Escrituras em todas as áreas
da nossa vida, ainda que o pecado nos impeça de atingir a perfeição.
_____________
1.
NORTH, Gary. An
Introduction to Cristian Economics;
Pg. 7.
2.
“...
os bens são escassos.
Pouquíssimas coisas no mundo, exceção feita do ar, da água e da
luz solar (nem sempre), existem em quantidades ilimitadas. Em razão
dessa escassez é que hão de ser os bens repartidos entre os
indivíduos do gênero humano, constituindo função do sistema
econômico empreender semelhante tarefa distributiva. Não houvesse
tal escassez, e nem a necessidade de repartir os bens entre os
indivíduos, não existiriam tampouco sistema econômico nem
Economia. A Economia é, fundamentalmente, o estudo da escassez e dos
problemas dela decorrentes”. STONIER, A.W.; HAGUE, D.C. Uma
Introdução a Economia.
Rio de Janeiro: Zahar Editores; Pg. 3.
3.
HICKS, J. R.. Rio de Janeiro: Zahar Editores; Pg. 97.
4.
KIYOSAKI, Robert T.. Pai
Rico Pai Pobre.
Editora Campus.
5.
WEBER, Max. A
Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
São Paulo: Martin Claret.
6.
NICODEMUS, Augustus. Deus,
Prosperidade e Trabalho.
http://tempora-mores.blogspot.com.br/2012/05/deus-prosperidade-e-trabalho.html
7.
Vale lembrar, contudo, que a Lei de Deus proibia a cobrança de juros
quando se emprestava dinheiro a um pobre, neste caso, deveria imperar
a caridade (Êxodo 22.25; Levítico 25.35-37). Evidentemente isso não
se aplicaria a um pobre que desejasse dinheiro emprestado para
comprar um carro zero, ou um i-Phone. Tratava-se de empréstimos
caritativos, não comerciais. Outras duas observações
interessantes, e que talvez choquem muitos leitores, é que tais
empréstimos eram moralmente obrigatórios para aqueles que possuem
recursos, e que o endividado, caso se tornasse inadimplente, poderia
ter que prestar 'trabalho forçado' para quitar sua dívida.
8.
NORTH, Gary. Usury,
Interest, and Loans: A Brief Summary of Biblical Teaching, With
Bibliography.
http://www.garynorth.com/public/4007.cfm
Marcelo, obrigado pelo tempo dedicado para escrever este texto. Permita-me compartilhar.
ResponderExcluirDeus abençoe.
SJN
A paz! vim te convidar a entrar no meu blog comente o que achou ?se gostar vire seguidor http://saladecinemagospel.blogspot.com.br/
ResponderExcluirGraça e paz Marcelo.
ResponderExcluirMuito bom texto. Graças a Deus - mesmo sem ter esse conhecimento baseado na Economia que você citou - nunca fiz empréstimos, quase tudo o que conseguimos comprar foi à vista (e com um descontinho, rsrsrs).
Penso que a lógica deveria ser ao contrário do que se vê hoje: se pensa em comprar algo em 10 prestações - e que não é urgente - procure economizar ao menos uns 6 meses antes, para diminuir as prestações e, consequentemente, os juros.
Isso também é questão de domínio próprio.
Abraços e Deus continue abençoando.
Rilda.