A Evangelização Arminiana...

A Evangelização Arminiana

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Paulo Anglada
[Do original O Evangelismo Moderno, fragmento do capítulo Calvinismo e Evangelização, do livro Calvinismo, As Antigas Doutrinas da Graça]

O evangelismo moderno é, sem dúvida, predominantemente arminiano. O modelo evangelístico popularizado por Finney e Moody, na segunda metade do século passado, estereotipou, de modo geral, todo o empreendimento evangelístico subseqüente. Spurgeon, contemporâneo de Moody, e um dos maiores evangelistas que o mundo já viu, pressentiu o perigo da tendência de se criar um novo tradicionalismo baseado nessas práticas, e advertiu seus alunos, dizendo:

Somos facilmente levados a sermos induzidos a práticas atraentes e a ficarmos presos a regras e métodos... Por que, meus queridos, quando temos um culto especial, um irmão tem de dirigi-lo conforme o método de Moody, e outro só quer cantar os hinos de Sankey? Quem somos nós para que sigamos uns aos outros? Não venham me falar de inovações e coisas desse gênero; fora com essas tolices.
Seus temores eram pertinentes. A influência do método evangelístico de Moody foi tão grande, que o evangelismo ficou atado às suas práticas atraentes e às suas regras e métodos evangelísticos arminianos. Praticamente não se concebe evangelismo que não se conforme a tais práticas.

Sendo arminiana, a prática evangelística predominante enfatiza, logicamente, o livre-arbítrio humano. Seu objetivo é anunciar que Deus possibilitou a salvação de todos, e que compete ao homem apossar-se da redenção potencial que Cristo proporcionou para todos. Crendo que o homem, em estado de pecado, ainda pode responder favoravelmente, por si só, à persuasão do evangelho, o evangelismo arminiano (predominante em nossos dias) consiste em persuadir o homem a decidir-se por Cristo.

Visto que a parte de Deus já foi feita, e que soberana na aplicação da obra da redenção de redenção ao coração do homem é a toda poderosa vontade humana, e não o Espírito Santo, o evangelismo arminiano é todo voltado para o homem; mais especificamente, para a vontade do homem.

A metodologia evangelística arminiana está, é claro, bem de acordo com seus pontos de vista doutrinários: grandes campanhas evangelísticas são organizadas e realizadas; muita publicidade é feita para atrair o maior número possível de ouvintes; uma breve, superficial e agradável mensagem é apresentada em um culto repleto de atrações tais como testemunhos, corais, conjuntos, etc. Nestes cultos, os sentimentos são direta e fortemente estimulados, culminando com longos e veementes convites (melhor: apelos, que é o termo mais usado) para que os ouvintes decidam-se publicamente a favor de Cristo, levantando a mão, ou dirigindo-se até a frente. Vindo à frente, vieram a Cristo. E lhes é assegurado que agora são convertidos.

O “sucesso” numérico deste tipo de evangelismo moderno é incontestável. Milhares de pessoas são arroladas como decididas, e logo recebidas como membros de igrejas. Mas o espantoso número dos que logo se “desviam” e “abandonam” a fé, e o nível moral e espiritual baixíssimo dos que resistem, também é incontestável. Esse evangelismo, “o novo evangelho”, observa Packer, “fracassa notavelmente em produzir reverência profunda, arrependimento profundo, humildade profunda, espírito de adoração e preocupação com a situação da igreja”.

Não menos incontestável é a pálida influência dos convertidos pelo evangelismo moderno na sociedade. Embora o homem seja o centro do evangelismo arminiano, e seu objetivo principal seja ajudar o homem e fazer com que se sinta melhor, resolvendo seus problemas, curando seus males físicos e traumas psicológicos, permitindo que progrida financeiramente, etc; quão insignificante – quando não negativa – tem sido a influência das igrejas arminianas na sociedade. A proporção de “crentes” no Brasil nunca foi tão grande – e a sociedade brasileira nunca esteve tão entregue à impiedade e perversão quanto hoje. A influência positiva evangélica no Brasil é inversamente proporcional à expansão do evangelho. Que qualidade de sal é este? Que natureza de luz é esta? Que dizer dos outros países? Sem dúvida, a Europa e os Estados Unidos dos calvinistas reformados e puritanos antigos era infinitamente melhor do que a Europa e os Estados Unidos dos evangelistas arminianos modernos.


CARACTERÍSTICAS DO EVANGELISMO ARMINIANO


O evangelismo arminiano, geralmente falando, têm características bem definindas:

Conceito superficial. Uma das principais características do evangelismo arminiano é a superficialidade. O conceito de evangelismo arminiano é superficial. O arminiano, como vimos, não crê na depravação total do homem, nem na ação soberana prévia e indispensável do Espírito Santo de Deus, para que o pecador seja arrancado desse estado. O arminiano não compreende claramente a terrível pecaminosidade do pecado, nem discerne devidamente a natureza da transformação que a salvação implica. Assim, se seu conceito de salvação é superficial, não é de admirar que seu conceito evangelístico também o seja. Evangelismo, para eles, consiste, em suas próprias palavras, em “levar os homens a tomarem uma decisão por Cristo”, a “se decidirem pelo evangelho”.

Pregação superficial. A superficialidade do conceito arminiano de evangelização se manifesta na sua pregação. O arminiano super enfatiza a fé, em detrimento da necessidade de regeneração. A fé, para os arminianos, sendo produto do coração humano ainda não regenerado e não dádiva gratuita e soberana do Espírito Santo, é indevidamente enfatizada, tornando-se a causa e não o meio da salvação. Desse modo, a evangelização arminiana enfatiza apenas a fé na pessoa e na morte histórica de Cristo por todos. Raramente, entretanto, é dito que a fé salvadora é acompanhada de regeneração. Não basta crer nem tremer, pois “até os demônios crêem e tremem”. A fé que não vem acompanhada de convicção de pecados, de arrependimento sincero, de iluminação do coração para compreender a graça de Deus em Cristo, e de conversão do coração, não se constitui em fé salvadora; pode não passar de convencimento carnal. A ênfase toda é na decisão. Se o pecador atende ao apelo do pregador, vem à frente, e toma uma decisão por Cristo, fica subentendido que se converteu; de modo que uma decisão por Cristo é comemorada como uma conversão. O pecador que vai à frente, em resposta ao apelo do pregador para aceitar a Cristo, no final do culto é parabenizado pelo pastor e pelos membros da igreja, como se sua salvação houvesse de fato se consumado. Ninguém cogita de regeneração; se a pessoa tornou-se realmente nova criatura; se foi feita novo homem em Cristo. Na verdade ela é até desestimulada a considerar tais coisas. É instruída a crer que é salva, independentemente das evidências; e que seria incredulidade duvidar de sua conversão, mesmo que nenhuma evidência de regeneração seja constatada. A pregação arminiana freqüentemente objetiva, não a regeneração do coração pecador, mas a decisão do pecador. Feita a decisão, fica subentendido, apenas sob esta base, a sua salvação. É por isso mesmo que milhares “não humilhados, ingressam na igreja; não humilhados nela permanecem; e ainda não humilhados a abandonam”, observa Spurgeon.

Metodologia leviana. Se a meta do evangelismo arminiano é uma decisão da vontade humana, não é de admirar que toda a ênfase recaia na metodologia. Assim, lança-se mão de todos os recursos disponíveis para mover a vontade humana a uma decisão. O uso abusivo da música, de testemunhos, e de instrumentos musicais, e o emprego de dirigentes de culto especializados não passam, na maioria das vezes, de recursos psicológicos para colocar o ouvinte em um “estado de espírito” adequado, para que sua vontade seja facilmente conduzida a uma decisão no final do culto. As piadas iniciais para deixar os ouvintes à vontade; o sorriso jovial do dirigente no início; a escolha dos corinhos; bem como a variação na entonação de voz do pregador; seus gestos; o desenvolvimento da mensagem; as ilustrações e o insistente e “emocionado” apelo do pregador (ou de um especialista em apelos) no final – quase sempre acompanhado de uma música bem aprepriada; tudo, comumente, tem o propósito deliberado, premeditado e específico, de conduzir a vontade dos ouvintes a uma decisão. Nem menos nem mais do que isso. Isto não é evangelismo é leviandade. Que diferença do apóstolo Paulo, o maior evangelista de todos os tempos. Escrevendo aos coríntios, ele relembra seu método de evangelização:

Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado. E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós. (1Co 2:1-3).

Não por meio de um evangelismo orquestrado, é de palavras persuasivas de sabedoria humana. Mas em fraqueza, temor, e grande tremor. Para que a conversão dos crentes de Corinto não se apoiasse na astuta sabedoria humana, mas no poder de Deus. Que diferença! Só a incredulidade no poder do Espírito Santo para converter corações pecadores pode explicar a metodologia leviana empregada pelo evangelismo arminiano moderno.

Motivação Espúria. As características que acabamos de mencionar (especialmente a leviandade metodológica), a acentuada preocupação com o número, a determinação de obter resultados imediatos e uma ênfase publicitária denominacional muito grande revelam, em muitos casos, a motivação espúria do evangelismo arminiano. Ativismo, por si só, não significa absolutamente nada. As seitas, tais como Testemunhas de Jeová e os Mórmons, também são bastante ativas na propagação do que crêem. Os escribas e fariseus recriminados por Jesus agiam de modo similar: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque rodeis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós” (Mt 23:15). Mas ativismo religioso, mesmo que promovido por religião verdadeira (judaísmo, no Antigo Testamento, e cristianismo), não significa absolutamente nada. Na verdade, pode ser até negativo. O que importa realmente são as motivações; o que nos impulsiona a proclamar o evangelho da graça de Deus em Cristo. Se a motivação é espúria, tal como o orgulho espiritual, a preocupação em encher a igreja, o sucesso da denominação e a promoção pessoal ou “ministerial” (tornar-se um pregador conhecido, admirado ou respeitado, ou seja, um profissional bem sucedido), o mais provável é que o resultado venha a ser negativo, senão catastrófico para o evangelho, como era o caso dos prosélitos a quem Jesus se referiu.

É certo que há exceções. Não se pode dizer que a prática evangelística de Wesley e Fletcher revela tais características. Não, de modo algum. Eles eram sinceros e fiéis; e, ainda hoje, há arminianos sinceros. Mas, de um modo geral, essas são as características do evangelismo moderno. E a causa é doutrinária. A doutrina arminiana que estivemos considerando traz embutida em si estas tendências, que logo se manifestaram, e acabaram tornando-se generalizadas em nossos dias. A trágica situação das igrejas evangélicas e sua pálida – senão negativa – influência na sociedade em que vivemos fala por si só.

As palavras de Spurgeon, na qualidade de um dos maiores, senão o maior evangelista de todos os tempos, são esclarecedoras. Elas servem para mostrar a tendência do evangelismo em sua época, como resultado das práticas popularizadas por Moody e pelos assim chamados reavivalistas do século passado, e as suas preocupações e temores – que se revelariam pertinentes. Em um dos seus sermões, pregado em 1882, ele alertou:

Nós somos facilmente levados a identificar o excitamento das massas com o poder de Deus. Esta época de novidades parece ter descoberto poder espiritual em bandas de música e pandeiros... A tendência no momento é grandeza, ostentação e demonstração de poder, como se isto, com certeza, realizasse mais do que os meios regulares não têm conseguido realizar.

Seis anos depois, em outro sermão, ele advertiu:

Jesus disse: “Preguem o evangelho a toda criatura”. Mas as pessoas estão se cansando do plano divino; acham que serão salvos pelo sacerdote, pela música, pelas peças teatrais, e sabe-se lá o que mais! Bem, eles podem tentar essas coisas o quanto quiserem; mas nada resultará de tudo isso, a não ser completo desapontamento e confusão; Deus não honra o evangelho travestido, hipocrisias manufaturadas por milhares, e a igreja rebaixada ao nível do mundo.

Uma última palavra bastante esclarecedora de Spurgeon:

É um fato que milhares de pessoas vivem próximas aos nossos notáveis santuários e sequer sonham em entrar neles. Até mesmo a curiosidade parece ter-se diluído. Por que isso? De onde vem esta falta de apetite pelos cultos ordinários do santuário? Eu acredito que a resposta, pelo menos em parte, está em algo pouco suspeito. Tem havido um crescente estímulo ao sensacionalismo; e, quanto mais esse apetite desordenado aumenta em fúria, mais ele é gratificado, e, ao fim, descobre-se que é impossível satisfazer suas demandas. Aqueles que têm induzidos toda sorte de atrações em seus cultos devem culpar a si mesmos se as pessoas desprezam seus ensinos mais sóbrios, e demandarem mais e mais barulho e coisas singulares... O sensacional leva ao escandaloso, se não ao blasfemo. Eu não condenaria ninguém, mas confesso que fico profundamente pesaroso com algumas das invenções do moderno trabalho missionário.

Que diria Spurgeon do evangelismo moderno? Em seu tempo, essas práticas eram apenas incipientes. Havia engano, mas dificilmente poderia se falar de insinceridade, e raramente de leviandade por parte daqueles que as praticavam. Que diria ele, se pudesse ver, como vemos hoje, as práticas evangelistas arminianas incipientes que condenou operando seu pleno desenvolvimento, produzindo abundante escândalo e até as blasfêmias que anteviu?

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Fonte: Calvinismo – As Antigas Doutrinas da Graça, Editora Os Puritanos, Paulo Anglada.


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4 comentários :

  1. Marcelo,

    Obrigado por essa mensagem contundente.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  2. Grato pela participação, irmão Clovis. Olha, estou pensando em receber autorização sua para publicar alguns textos antigos do seu blog aqui no Olhar Reformado; dentre eles o excelente "Resposta Branda a um Pastor Arminiano".

    Paz e bem!

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  3. Estou com uma dúvida, Moody era calvinista ou arminianista?

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  4. Sua pergunta é muito boa, irmão Leo. Alias, fico grato que o irmão tenha tocado neste assunto - me motivou a postar alguma coisa sobre a teologia de Moody no futuro. Vou tentar providenciar alguma coisa para a semana que vem. Fique no arguardo.

    Pelo que tenho conhecimento, o ministéiro de Moody trafegava entre americanos e europeus. No primeiro grupo ele parecia mais proximo dos arminianos. já no segundo, dos calvinistas, tendo, inclusive, sido amigo pessoal de Spurgeon. Grosso modo, os calvinistas faziam severas criticas a pregação de Moody, pela metodologia, pela enfase considerada excesiva na 'vontade' humana, e seu apego a uma expiação ilimitada.

    De qualquer forma, fico devendo um texto mais detalhado sobre o assunto, ok?

    Agradeço pela sua participação!

    Paz e bem!

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