Dialogos em Teonomia

Por Marcelo Lemos

Meu objetivo hoje é responder ao irmão Ricardo Mamedes, editor de um blog comprometido com a Teologia Reformada, assim como o nosso. Então, estou respondendo não apenas a um irmão em Cristo, mas também a alguém que possui uma cosmovisão praticamente idêntica a minha. Apesar disso, mantemos posições diferentes no debate sobre Teonomia, tema que tem despertado grande interesse na blogosfera reformada brasileira. Especificamente, minha resposta tem em mente dois artigos que o Ir. Mamedes publicou em seu blog, “Sobre Teonomia, Lei e Graça”, Parte I e Parte II. Minha oração é que, com a graça de Cristo, possamos dialogar sobre as questões levantadas, e se não encontrarmos um ponto comum, que possamos nos manter no fraterno amor do Cristo. Os argumentos deste texto, fazem referencia a Parte I da série de textos acima citada.

Pelo que tenho acompanhado dos debates sobre Teonomia, tenho a impressão de que o grande problema é a distorção da posição teonomista. Com isso não quero dizer que os inimigos da nossa posição usem de má-fé, acredito se tratar de real desinformação, ou então, na pior hipótese, que tenham tido contado com algum revolucionário lunático, alguma versal gospel dos xiitas, que se diz “teonomista”. Seja como for, parece-me fundamental que busquemos esclarecer com certa precisão o que vem a ser a nossa posição. Foi justamente pensando nisto que publiquei, recentemente, o texto “Batalhando pela vitória; ou, Porque sou teonomista”. Aos que o leram, meu pedido de desculpas pela certa dose de repetição que encontrarão hoje.

Dito isto esclareço minha metodologia nesse momento inicial do diálogo (digo inicial na esperança de poder haver interação): procurei identificar, analisar e responder afirmações do Ir. Mamedes que sugerem uma compreensão equivocada da nossa posição. Isso é não somente condizente com a preocupação que demonstramos acima, como também um passo em direção a um diálogo mais produtivo, do qual eliminaremos o perigo de discutirmos aquilo que jamais deveria ter estado na discussão.

I
O que é Teonomia?

Antes de respondermos positivamente este questão, quero demonstrar como a resposta dada pelo Ir. Mamedes é capaz de dissuadir até o mais ferrenho teonomista; sim, pois se Teonomia for o que ele entende dela, deveríamos rejeitá-la com todas as nossas forças. Apesar de um sonoro “não os li e nem pretendo lê-los”, ao falar sobre os escritores teonomistas, nosso irmão garante: “sei o que é teonomia e do que se trata, suficientemente para ser contrário aos seus argumentos”. Há grande importância, então, em descobrirmos como o irmão Ricardo Mamedes compreende o que vem a ser a posição teonomista. Adianto que, caso ele esteja certo em sua definição, eu mesmo a rejeitaria.

a) “...uma teonomia que defende a retomada da lei mosaica, ou simplesmente da "Lei", para ser aplicada à sociedade como um todo. A mim, cheira como puríssimo e "refinado" legalismo”.

Tal avaliação é certa, mas não condiz com o que é Teonomia realmente. Em outras palavras, o irmão está certo em condenar o que condena, mas tal condenação não se aplica a nossa posição. Primeiro, que não defendemos a “retomada da lei mosaica” do modo como se parece sugerir na expressão “ou simplesmente a 'Lei'”. Defendemos que os preceitos morais da Lei de Deus são eternos e obrigatórios, mas não todo e qualquer preceito da Lei, pois aquilo que se cumpriu em Cristo, ou seja, aquilo que era “sombra” da sacrifício redentivo, cumpriu-se de uma vez por todas em Cristo. Segundo, que a definição de legalismo apresentada na objeção é equivocada. Obedecer aos mandamentos de Deus não é legalismo, do contrário, implicaria afirmar que Deus ordenou sermos legalistas. Implicaria também na afirmação de que todos os catecismos reformados, e todas as nossas confissões de fé sejam promotoras do “legalismo”, já que nenhuma delas deixa de exortar sobre o nosso dever de cumprir a Lei Moral. Legalismo é a crença de que a salvação depende da observação de alguma lei (divina ou humana); coisa que passa bem longe do que é defendido pela Teonomia. Quem prega a salvação pelas obras não é Teonomista, é herege.

b) “Se a lei é "boa" - e é , pelo menos sob o ponto de vista ético e moral - daí a instituí-la como força coercitiva estatal demanda hermenêutica completamente torta e tortuosa”.

Concordo plenamente. Não só eu, mas todo teonomista que já li. E estou falando de gente renomada. “... Defendemos primeiro a regeneração e só depois a reconstrução. Nós não defendemos a revolução... Nosso objetivo não é dominar a esfera política, mas trabalhar para a regeneração dos indivíduos e das famílias a nível local, e para a Reforma da Igreja” (Jay Rogers). Que disse R.J. Rushdoony, “pai” do movimento de Reconstrução Cristã? “A salvação não se dá pela política, pela educação, pela Igreja, ou por qualquer outra agencia, mas somente por Jesus Cristo” (in 'Christian Manifest').

Não somos revolucionários, nem acreditamos numa sociedade transformada pela “força coerciva estatal”. Quem tenta agir por tais meios é o comunismo, o socialismo, o facismo e outros “ismos” que não o nosso, risos. Vejam o Brasil, por exemplo. Aqui, o Governo, desrespeitado a vontade da maioria da população, pretende nos impor a legalização da maconha, do casamento gay, do aborto, do desarmamento, dentre tantas outras coisas. Isso sim é reengenharia social, imposta através de “força coerciva estatal”. No entanto, os cristãos preferem o quadro atual a crença de que, através do Evangelismo podemos construir uma Republica Cristã. Na verdade, não é que preferem isto aquilo, mas sim, pelo que vejo, que não compreenderam ainda o que propõem a Teonomia.

G. Martin Selbrede, teonomista, expoente da Reconstrução Cristã, explica: “Deus reformará o futuro ao reformar o coração das pessoas. Regeneração, não revolução. Armas espirituais, não carnais. Trabalhar dentro do sistema atual, como o fermento atuando na farinha até que tudo esteja levedado”. Observem, meus queridos, que não se pretende transformar a sociedade por meio de uma Revolução, mas sim, por meio do Evangelismo. Claro, pregamos a atuação política, a militância cultural, mas, de forma alguma, a coerção, ou a violência. O já citado Jay Rogers complementa que tal reconstrução se daria “De baixo pra cima, e não de cima pra baixo”. Não há, pois, qualquer espaço para “força coerciva estatal” na Teonomia.

c) Novamente será estabelecida a velha aliança e voltaremos aos rituais e aos holocaustos; verteremos sa?ngue de bois e ovelhas nos novos altares sacrificiais. Enfim, ainda que os argumentos dos teonomistas sejam aparentemente alicerçados na Palavra, o legalismo por eles defendido fará submergir a graça”.

Novamente sou forçado a concordar; se os teonomistas ensinam o retorno da Antiga Aliança, devem ser rejeitados completamente. No entanto, não é isso que defendemos. Novamente voltamos ao problema de definir o que é “legalismo”. Já comentamos isso, então, apenas relembramos aos leitores que jamais pretendemos tornar a obediência a qualquer preceito da Lei de Deus como condição para ser salvo. Além disso, a Teonomia não tem qualquer compromisso com os “sangue de bois, sacrifícios ou altares”, pois tudo isso foi realizado por Cristo. No entanto, Cristo não nos concedeu carta branca para quebrarmos os preceitos morais Lei de Deus, ou deu? Cristo nos fez livres para pecarmos, ou nos fez livres da maldição da Lei?

Se Cristo nos desobrigou da obediência a Lei Moral, a santificação não tem qualquer valor. Não faz sentido não aprovarmos o homossexualismo, o casamento gay, o sexo pré-marital, o bestialismo, o incesto, o adultério, o perjúrio, a mentira, e assim por diante. Se a Graça destruiu a Lei Moral, lutemos, então, pela libertinagem! Ora, na prática, todo cristão é teonomista, acontece apenas de alguns, os que se dizem 'anti-teonomia', serem inconsistentes e contraditórios.

II
A Teonomia e a Graça

Acredito que pelo exposto até aqui já deu para se notar não haver qualquer conflito entre Teonomia e Graça; entretanto é de grande valor que analisemos as objeções que o Ir. Mamedes levanta sobre o assunto, no que demonstra não compreender adequadamente nossa posição.

d) “A pergunta que teima em aflorar é: por que a sanha em restabelecer a Lei quando se tem a graça? Ora, se o maior bem que o cristão possui é a salvação, trazida pela graça, qual a necessidade da Lei?”.

Essa questão-objeção me lembra aquele arminiano que nos pergunta: “Se o cristão foi eleito, qual a necessidade da santificação?”. Espero não estar exagerando na comparação. De fato, creio que a comparação é bem exata, pois assim como a santificação não é um evangelho de obras, a Lei Moral de Deus não é um meio de se justificar perante de Deus, mas de cumprir a sua vontade decretiva.

De modo que, não faz qualquer sentido em contrastar a Graça com a Lei Moral de Deus. Nem mesmo os preceitos cerimoniais da Lei de Deus podem ser contrastados com a Graça, pois nós somos salvos porque Cristo cumpriu em nosso lugar aqueles preceitos cerimoniais. A Graça jamais pode ser contrastada com a Lei, mas sim com o legalismo judaico, que defendia a obediência as Leis (humanas e farisaicas) como condição para ser aceito por Deus.

Qual a necessidade da Lei? É por ela que sabemos qual a vontade do nosso único Legislador: “Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Quem fala mal de um irmão, e julga a seu irmão, fala mal da lei, e julga a lei; e, se tu julgas a lei, não és observador da lei, mas juíz. Há um só legislador que pode salvar e destruir.Tú, porém, quem és, que julgas a outrem?”(TIAGO 4.11,12). “Vós, filhos, sede obedientes a vossos pais no Senhor, porque isto é justo. Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa, para que te vá bem, e vivas muito tempo sobre a terra” (EFÉSIOS 6.1-3).

e) “Entretanto, se a lei não tem o condão de justificar quem quer que seja, mais ainda aqui, no âmbito dos justos, dos filhos adotivos em Cristo Jesus, dos eleitos, por que querê-la?”.

De fato, para que desejar a Lei como meio de justificação, se ela não é capaz de justificar ninguém? Porém, isso não é objeção que se faça a Teonomia. Como já afirmamos, a Teonomia jamais prega a Lei de Deus como meio alcançar a justificação.

Concluindo

Neste primeiro texto do irmão Ricardo Mamedes, há outras objeções que mereceriam análise, porém, para não fugirmos do objetivo principal, i.e. esclarecermos equívocos sobre nossa posição, vou ficando por aqui com essa primeira resposta; em outra oportunidade abordaremos as demais questões levantadas por nosso irmão.

Espero ter conseguido, com essa primeira resposta, transmitir um conceito mais apropriado do que é e o que não é Teonomia. Pelo que percebo, só lidamos com equívocos neste primeiro momento – nenhuma critica feita a nós condiz com aquilo que realmente acreditamos e defendemos. Então, penso poder reclamar de estarmos sendo julgados por pecados que não cometemos. 

A titulo de maiores informaçoes, sugiro a quem possa interessar, a leitura dos textos abaixo; eles ajudaram a dissipar a suspeita de "legalismo":

4 comentários :

  1. Q bela resposta. Visto que postei algo sobre Teoonomia, mais uns dias eu posto essa sua resposta tb lá no MCA.
    LAMENTO O ERRO QUE COMETI COM O NOME DO IRMÃO - Ricardo MAMEDES.... puxa, minha mente fotografou outra coisa...(já corrigi)

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  2. Caro irmão Marcelo,

    É claro que há xiitas no movimento teonomista, basta ler alguns textos por aí, inclusive de "autores renomados".

    De antemão devo ressaltar que concordo com praticamente tudo que o irmão escreveu em sua resposta, logo, a nossa real discordância não se coloca nesse patamar. Sempre fui claro em afirmar que a Lei do AT está plenamente vigente como fonte moral e ética do cristão. Portanto, ao "declinar" da Lei, não estou a dizer que os seus princípios não são mais aplicáveis.

    O que eu não aceito - e aí é que está a tortuosidade da hermenêutica pelo menos de parte dos teonomistas - é a luta pelo restabelecimento da Lei do AT para a sociedade atual, as suas sanções e a sua coercitividade. É fácil depreender isso de todos os meus escritos nos blogs.

    Logo, a minha posição - também teonomista - é pela transformação da sociedade, salgando-a , modificando-a, em razão da regeneração operada em nós, crentes, pelo Espírito Santo, nunca pela imposição da Lei do AT. Nesse sentido é que a acho "desnecessária". O que vejo, entretanto, no movimento teonomista é a luta pelo restabelecimento literal da Lei Civil do AT, não com os seus sacrifícios cerimoniais, mas, sim, com as suas duras penas, como se ela fosse estagnada.

    Por isso eu disse que, se se quer aquela Lei do AT, que a tragam na sua totalidade, inclusive os sacrifícios e rituais. Isto porque eu não entendo a sua fragmentação, se for para aplicá-la em sua plenitude ( é mais ou menos uma provocação que não é compreendida por vocês).

    Em suma, também eu quero a transformação da sociedade através dos valores cristãos, do evangelismo, do restabelecimento moral e ético que está na Lei. Não defendo, outrossim, a aplicação literal das sanções da Lei do AT, como o apedrejamento de adúlteros, homossexuais, etc, duramente defendido pelos xiitas da "jihad evangélica). Diga-me, você defende essa aplicação literal?

    Em Cristo,

    Ricardo.

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  3. Deixa-me intrometer um pouco...
    Irmão Ricardo, o irmão disse que não concorda com a pena capital. De qualquer maneira será difícil uma resposta sobre penalidades legais, quando o irmão discorda da posição reformada.
    No meu caso, eu sou a favor da criminalização do homossexualismo, adultério, prostituição, dentro daquilo que o estado pode perceber até agora – prisão e não pena capital.
    Já perguntei para alguns se concordam que quem não paga pensão alimentícia deve ficar preso, e os ati-teonomistas geralemnte dizem que isso é certo. Mas prender pessoas que destroem a família com práticas homossexuais, etc, acham que é um absurdo.
    Quando uma pessoa é presa por algum crime, continuamos pregando o evangelho a essas, para arrependimento e salvação. Caso vc fosse pastor em alguns estados nos EUA, pregaria o evangelho aos que estavam condenados?

    Os valores estão invertidos, me parece...

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  4. Em verdade, em verdade te asseguro: quem não nascer de novo não pode entrar no reino de Deus. (João 3:5) Uma Genebra globalizada parece um "oximoro", um inocente culpado, um judeu gentio, etc. A lei é judaica, foi dada aos judeus, a saber: Então falou Deus todas estas palavras. Eu sou o senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão etc. Se há relevância dos ouvintes isso basta para saber-se que a lei procede do Deus de Israel para esse povo de Israel. As nações gentílicas não possuem tais preceitos, viviam em plena escuridão até a manifestação da Graça "Mas agora se manifestou, sem lei, a graça de Deus, tendo o testemunho da Lei e dos profetas. (Romanos 3:21). Posso estar em Cristo perfeitamente reconciliado com Deus pelo seu favor, todavia, os Judeus com toda a lei não lograram êxito, portanto, deixamos de coisas e cuidamos da vida se não nos chega a morte ou coisa parecida e nos arrasta moços sem ter visto à vida.

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